Dia desses deitada na minha cama, com forças que em brincadeira maledicente se escondem, olhava pela janela do quarto o céu... como as nuvens não se mexiam, tampouco a casa, indaguei se o mundo havia parado.
A verdade é que eu transpunha minha inércia para o mundo e o meu vazio para o céu. A comunicação do vazio triste e intrinsecamente egoísta, faz com que a compreensão alheia, com razão, passe bem longe, em posição de indiferença.
Parece ser preciso que nos prendamos em cordas invisíveis para que não haja, o que nessa
sociedade pseudo-lúcida chamariam de surto e essas amarras levam tempo e ocupam corpo e cabeça.
Acho que este é um pouco do motivo que abandonei o blog. Em breve o transformo em um diário piegas sentimental para estar mais presente.
Agradeço ao brilho nos olhos dos amigos de meu companheiro que tive o prazer de encontrar. Não tinham brilho nos olhos quando falavam da escrita, mas fazer a associação entre as duas coisas, me deu muita vida.
Me permito não fazer muitas coisas e fico pensando que se a escrita fosse uma obrigação provavelmente eu largaria, mas o abandono da escrita é uma forma de agressão que eu não me permito.
Espero que vocês estejam com saudade, eu estava com saudade de mim!
Boas ventanias na leitura deste próximo conto...
O Vestido
Finalmente
tomei ânimo para sair de casa, não em copo de água com pílulas,
apenas com o medo do corpo de enrijecer. Saio em busca de uma
inspiração que me dá riso melancólico, já que não dá em árvore
ou no vento. Aliás, ainda que haja um pôr do sol alaranjado e um
leve aquecer nos lugares livres de sombra, há um ventania terrível.
Eu a odeio já que sua única função é o desconcerto. Vou até o
cais, o local costuma concentrar algumas pessoas em fins de tarde e
para mim serve as vezes para a escuta de uma boa história, quando os
ouvidos com cera ou imagens a serem observadas, quando os olhos
fechados não são importantes. Queria eu, que minha criatividade,
corresse como esse maldito vento de hoje.
Hoje é um
daqueles dias que a linha branca do paralelepípedo, no qual eu ando
cambaleando embriagada de realidade, parece desequilibrar o limite
entre a sinceridade e a auto destruição. Saio sabendo que passarei
o dia em convivência com todos aqueles sintomas de histeria coletiva
humana, como: o amor ao trabalho, a monogamia ou a lua, com tudo
aquilo que não é posto em dúvida. Encontrar pessoas que falam o
que querem e escutam o que querem falar. Ou até mesmo aqueles que
ousam a negação de suas verdades, mas que carregam uma contradição
monótona em suas falas incisivas, sem cogitar que essa não
existência também é uma forma de verdade. Analogamente as acabam
por travar diálogos como com seres inanimados, que consomem minha
alma e ultimamente me fazem perder um pouco de vida. Sinto uma
solidão profunda, que não se resume a estar só e sim de não
querer estar na companhia de outras pessoas.
No cais, de
forma rebobinada, o barco parece trazer de volta a seu ventre o sol
que pariu de manhãzinha, isso me traz um pouco de vida, e a
coincidência de só ter mulheres na praça daquela pequenina cidade,
dá aquele vento provocativamente irritante uma espécie de sintonia
em encontro a um rebuliço revolucionário. E para mim, que narro as
cenas destas mulheres, um fardo desafio, já que minha relação com
as pessoas vem de forma montanhosa degradando-se. Observo, com os
sentidos do corpo e as fantasias da imaginação, três imagens:
Suas unhas
ruídas ao sabugo fazem com que suas mãos percam as forças até
para segura sua cabeça que aponta para baixo. A mulher tem o pescoço
turvo com a cabeça pendurada entre as mãos em misto de vergonha e
dúvida. Tem vivido de pequenos surtos. Suas curvas explicitam sua
jovialidade. Ela está em um dilema, pela primeira vez se sente
profundamente feliz com alguém, ainda que esse alguém não firme
compromisso futurístico com ela, que a traia, que não lhe traga
nenhuma certeza do amanhã. A sua cabeça não consegue raciocinar
mais, toda a ausência presente dele lhe causa profunda insegurança
e uma espécie de sensação de depressão cotidiana. Volta e meia
ele não vai dormir em casa, ora porque se perde por pequenos
encantos de outras mulheres, ora porque cai nas tentações da música
e das drogas leves. Leve também ele vai se achegando pra perto dela
e sabendo suas convicções religiosas goza: um dia, se Deus quiser,
você vem para o mundo das drogas também. A jovem sente muita raiva,
mas com um arrepio de graça pelo corpo, já tá acostumada com os
sentimentos contraditórios que ele lhe causa. O sexo é a cada sexo,
o melhor de sua vida, e ela dividida entre lagrimas e gemidos, sabe
que só o é, apenas porque deriva das explicações das traições,
que multiplicam as formas de carinho. Ela o enxerga como as amoras de
seu quintal. Com sua ansiedade do amadurecer das amoras, que no outro
dia aparecem pretas, ela as cole, mesmo sabendo que ainda continuam
amargas. Ele definitivamente não é "homem pro resto da vida",
se é que isso de fato existe, sem que seja por obrigação, mas não
importa. Estar sem ele é engolir a voz, com ele, são gritos
perdidos no vazio. Ela então resolve engolir o choro e o sofrimento
de vez da sua vida. Olha no relógio e o ponteiro marca seis da
tarde, não pode se atrasar, vai encontrá-lo e contar sua decisão.
Ele já a esperava no portão com sorriso cínico e com cheiro de um
perfume feminino qualquer. Ele pega o violão encostado no muro e
antes que a voz dela ecoe, ele canta e toca a poesia que lhe fez de
presente.
Onde já se
viu uma mãe sair com seu filho em plena ventania? Este é o
cometário geral da cidadezinha. Ela sente os cochichos e caras de
reprovação pelo seu desleixo. A viseira das tradições lhe traz
angústia e uma impotência que se parece como quando estende lençol
de elástico no varal. Em meio a tensão que comprime seu corpo no
banco da praça, ela precisa disfarçar o enorme prazer que sente
pelo chupar do seu peito pelo seu próprio filho. Seu inquietamento é
mais que visível e forma nas redondezas uma espécie de torcida
organizada à um surto clássico, para que o mais rápido possível
essa insensatez fosse isolada bem longe. A moça resolve levantar-se
com o filho no colo, e tem um andar meio desorientado por seus pés
aéreos. Não importa, já que o que nos derruba é a vista
distraída. Vai em direção ao muro do cais, onde as ondas se chocam
a ele violentamente. No curto caminho sente uma dor que se estende
até a ponta dos dedos pelos julgamentos alheios que tiram-lhe a
força, força essa, necessária para que seu filho propositalmente
não escorregue por suas mãos. Seus olhos castanhos tem um lacrimejo
que não se sabe bem se é culpa do vento ou da tristeza. Encosta a
barriga no muro, ergue os braços e levanta seu filho em direção as
ondas, que neste momento estavam mais mansas. Há uma tensão, junto
a uma inércia proposital geral. Mãe e filho se olham profundamente,
e o filho ao ser suspenso pela incerta tremida mãos da mãe, olha a
fundo seus olhos perdidos e do alto, imóvel, solta uma deliciosa
gargalhada, que misturada a aquele vento, parece um grande deboche da
vida.
A senhora
sorri de lado, como se houvesse um espelho imaginário em sua frente,
onde fosse possível o controlar do local de cada ruga no movimento
de cada traço de seu rosto, o que não era nenhum desafio para ela
que passou cinquenta anos casada. Seus olhos miram sua casa, mas
parecem atravessá-la, estão imóveis, mas desatentos. Ela veste um
vestido floral com um decote descosturado, ainda por terminar, nos
lábios finos veste um batom de um rosado antigo. É sem dúvidas, a
imagem mais bonita daquele lugar, que parece entrar em fusão com a
luz mais bonita do dia que paira sobre seu corpo senil, mas forte,
uma espécie de soberania serena. O vento joga seus cabelos não
muito longos a chibatadas em seu rosto, mas ela não se mexe, é como
se estivesse em uma profunda contemplação. Ainda que com
consciência de seu deslumbre sem se importar com a vaidade. Seus
olhos correm para o canto e acompanham a ambulância que estaciona em
frente à sua casa, os enfermeiros descem do veículo, entram na
residência e saem minutos depois com um homem estendido na maca...é
explicita a busca dos profissionais por sua mulher para que pudesse
acompanhá-lo, sabe como é, cidade pequena todos se conhecem,
consomem a vida um dos outros. Mas não havia nem sinal dela, apenas
do outro lado da rua, uma divina senhora, que continha agora o ultimo
raio de sol iluminando sua boca, dando uma coloração mais viva ao
tom de seu batom envelhecido, mas nunca antes vista por aquelas
bandas. Ela fica ali mais alguns minutos, espera que o carro vá, em
seguida cruza a rua, entra na casa e fica nua. Seu vestido que nunca
pode usar ficara lindo com os botões pregados. O travesseiro marcado
por suas unhas continua no mesmo lugar.
Meu corpo
vazio foi preenchido por aquele vento ousado, que sem pedir licença avançou pelos meus poros, trazendo junto a ele, todas aquelas
histórias que se entranhavam em mim. Me levanto pra voltar pra casa em
direção oposta a ele, que briga com meu corpo, mas carrega meus
pensamentos pra um espaço desconhecido, escancarando pra mim, agora
sem grandes resistências, que a natureza, responsável por nossa
existência, traz a grandeza do absurdo dentro de nossa
insignificância.
Maria Carolina Abreu.

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