A
liberdade capturada.
A
liberdade só existirá quando as gaiolas puderem voar. Enquanto isso os muros seguem
aprisionando as pessoas. As crianças amam a liberdade, por isso amam a hora da
entrada, da saída e do recreio da escola, por isso pulam muros. Deveríamos
avisá-las que quando crescerem vão ser presas, mesmo sem estarem trancafiadas?
Avisar que na nossa hora do recreio não tem mais brincadeira e que a gente não
brinca, não por que é proibido, mas por falta de desejo? Seria justo falar que
correr no nosso dicionário é diferente e perde como sinônimo o prazer? Falar sobre
o patético sentido da vida não faz sentido para uma criança, elas são crianças,
não precisam ficar preenchendo as coisas de sentido, porque nada ou tudo é
vazio pra elas. Quando descobrem tudo isso, às vezes fogem, quando ainda dá
tempo.
Ele
cresceu e tinha lembranças do sentimento de tristeza e pena que tinha dos
adultos. Hoje, ele tem pena de si mesmo. Tá afundado nesse mundo escroto, com
gosto amargo do café da solidão. Demorou até começar a gostar de café. No
começo tentou resistir, guardava uma música na cabeça e dançava na rua pra não
perder o gosto dos picos de alegria, outras vezes, sorria na chuva, rodopiava e
mostrava a língua pro céu, de vez em quando tirava os calçados e ia se lembrar
do toque com o chão, dentre todas essas coisas que fazia para garantir seu
prazer, sua sanidade e a segurança que não se tornaria um estúpido, certo dia
saiu sem roupa, dentro da normalidade da extensão de seu mundo de criança.
Foi
internado. Saiu. Cobram-lhes um monte de conseqüências que não são dele, diziam
que era pra se parecer com os demais, e que são tempos de seriedade, de
caminhos retos, cronometrados, sem tempo pro pique – esconde, pro erro, pra
dúvida, para as inseguranças, para as desistências, sem tempo pra ralar o
joelho. Não é hora de tristeza, porque não tá programada no relógio.
Ele tá sem energia, não quer comer. No momento tá morrendo. Não suporta
carregar o peso de ser mais um número de estupidez na cidade. Os vizinhos dizem
que é um vagabundo, os amigos que ele sempre foi assim irresponsável, os
médicos diagnosticaram depressão profunda e a indústria farmacêutica se
encarrega da cura pra torná-lo bom cidadão. No meio de tantas conclusões
lúcidas, ele se sente cego, se sente dor, se sente só e vazio e por isso sem
ler, abre a boca para doses de qualquer-coisa-que-lhe-transforme-em-um-adulto/produção.
Triste
ele desconfia que continuará. Sua doença não tem cura, porque atacou a ele e
ataca ao resto das pessoas, a doença que acaba com o gozo em brincar. Agora, tem
cumprido suas obrigações regularmente, correm boatos que ele está muito bem. Quando
olha pro seu médico que o fica a analisar, é uma das horas que sente que não é
tão imbecil, não pelas análises do médico, mas sim pela própria figura dele. O
seu deboche é como brincadeira que pode um dia voltar. O que ninguém nunca
desconfiou é que seu sofrimento tá na insistência das pessoas crescidas em
capturar a liberdade alheia.
Não
é possível a liberdade dos pássaros se ainda existirem gaiolas, é preciso
libertar as gaiolas até que elas não existam mais.