quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Aparições momentâneas

Aparições momentâneas


Relações: só no balcão de utilidades, diz um aviso. Pode despejar aqui suas dores. Deposite seus grandes sacos de lixo vazios. Vem ter uns minutos de atenção. Use esse recanto para recuperação. Para depois desaparecer. Mergulhe nesse teu amargor, mas não se corte com os cacos do espelho que você quebrou quando se viu. Quanto medo de si, isso é medo do mundo. É medo de que o mundo te rejeite da mesma que forma que você faz consigo. Vá com o vento, ele seca tua boca para que você evite falar certas coisas por ai. Te tira beijos doces. Mas não acredite que você pode ir aos lugares que o vento vai. Você fica. Foi marcado pela síndrome do eterno retorno. Morre pra voltar. Vive para morrer. Não fique muito por perto. O teu afeto, quando chega aqui, é proporcional ao tamanho do medo de sua solidão. Não existe querer por aqui. Se encarar, dói. Muito. Preencha as prateleiras com esse dilema. No caos, se parece com conservas de afeto. Não sobe muito alto nas escadas. Seu equilíbrio é ruim. Você prefere o chão, mesmo que lá os potes de vidro corram mais riscos de serem quebrados, mesmo que rolem agitados de um lado para o outro. Seu desespero tem correntes. Fugir não é correr. Não tem problema. As prateleiras tão seguras, mesmo que elas estejam à cima de sua cabeça, intocáveis, mesmo que não tenham serventia para guardar certos sentimentos. A casa está escura, mas você não se assusta. Deita no chão sozinho. Mas tem a casa. Prateleiras firmes, sem nada. Se sente mal, mas bem. Solitário, mas abrigado. Preso, mas livre. Não consigo ver seus olhos. Tem tanta luz lá fora. Você se arrasta, encontra as frestas. São as frestas. Só as frestas. Já está bom. Está na hora de fechar o balcão de utilidade, digo. Abre conforme suas visitas, você bem sabe. Aqui não tem telhado, paredes ou portas trancadas. Aqui chuva é banho benzido. É lugar de muito pra quem anda vagando sem nada. É de coisa nenhuma que o amor se alimenta. Pobre amor. O engraçado é que o teto de sua casa, tão velho, tão desgastado, tão desgraçado, tão degradado nunca cai. Que se fechem todos os balcões invisíveis de utilidade! Chega, não quero mais escutar essa música apática e melancólica que sai da sua boca. Não quero esse estranhamento óbvio. Não quero lógica tão fácil. Se vire. Jogue os espelhos fora; Quebre a casa enquanto goza com as marteladas; deixa a porra da prateleira cair, não se preocupe, que ela não quebra; destrua essa sala burguesa de jantar; não morra aos poucos; o mundo não odeia ninguém, ele é inútil, só gira, não seja tão prepotente; quando o brinquedo que roda estiver girando muito forte, não fique aí com cabeça confusa girando pra sempre, enjoado, sem conseguir sair, solte as mãos, o máximo será um braço quebrado, dói, mas passa; corre nessa estrada que você nem sabe pra onde vai; não deixa seu desejo de descoberta morrer; olha como você fica bem nesta luz; não some. Talvez você acabe ruindo junto aquela sinistra casa. Só há encontros, quando ambos os corpos se iluminam, abraçados, admirando o balcão de inutilidades que arde em chamas. A partir de agora foi decretado o fim de todas as submissões e instaurada a liberdade comum da troca. Poesia é só para quem encara a forca, a fogueira, o pecado e o amor pelas grandes e miúdas revoluções!