Eu sustento com palavras o silêncio do meu abandono
(Manoel de Barros)
Como uma forma de introdução sociabilizo um trechinho antigo:
No caminho pra casa
Ah! Tudo passa devagar demais! O caminho do ônibus para casa, o elevador, o
sinal que passa eternos minutos fechado. Ah! Como tudo passa rápido demais! Já
é hora de descer do ônibus em meio de meus pensamentos, tenho que correr para
chegar ao outro lado antes que o sinal feche, o elevador me leva em casa antes
da hora. Por favor me deem tempo sem ansiedade! Neste vai e vem eu só sinto
enjoo...
Cegueira sem biologia
Em uma cidade impaciente taxada adjetivamente por via da abstração de maravilhosa, um senhor de pernas tímidas que bambeiam a todo tempo brinca de distração desafiando o equilíbrio. Mas têm pernas firmes de orgulho como se fossem feitas de borboletas livres que se transformam quando invadem minha barriga em uma sensação de medo e insegurança. As borboletas parecem voar por nosso corpos de forma diferente. Eu estou dentro do ônibus sentada e observo o homem senil de vistas cegas que não passa pela roleta pois descerá logo adiante, apenas dois pontos após ao que embarcou. Ele desce sob uma pressão de pressa do motorista e neste mesmo momento o sinal para pedestres abre, as pessoas que aguardavam o enxergam e a corrida para chegar ao outro lado parecem ganhar adição de fuga de uma ameaça de desaceleração travestida de gente da mesma espécie. Observando a cena fico confusa com a biologia do enxergar, o que exatamente caracteriza a cegueira? Me deparava então, em uma cidade de cegos, que enxergam a rua, a luz do sinal, mas não os olhos uns dos outros, me ocupava uma mistura de pena e raiva de um mundo deficiente, com pessoas cheias de incapacidades e limitações. O senhor fica só, enquanto mais uma multidão passa desviando do desejo do tempo parado ali, desviando de si mesmos. O sinal para carros abre, o velho tenta atravessar, o carro buzina e ele retorna, terá que esperar o que o sinal se feche novamente. Pra mim era possível fotografar ali o que significa estar em meio a muitas pessoas e ainda estar só, sem romantismo. Lágrimas querem descer dos meus olhos envergonhados, ao descobrirem que talvez sejam cotidianamente invisibilizadores. Me sinto um pouco do abandono dele. Enxergar, vai ver, é uma das nossas maiores deficiências.
Maria Carolina Abreu 20/11/2014


