Coisas
-que eu não escrevi- de quando criança
“Maria,
você tá sempre buscando os caminhos mais fáceis”
Na
rua um homem tem um cigarro na mão, enquanto no meio da rua de
frente para o ponto faz sinal pro ônibus vir devagar e os movimentos
das suas mãos ao vento parece tentar indicar onde ele deve passar,
logo depois muito barulho e as latinhas que ele havia espalhado pelo
asfalto eram amassadas, vinha outro e a cena se repetia...
Quando
pequena acho que não tinha clara essa reflexão na minha cabeça,
mas se hoje eu pudesse elaborar uma resposta para tal acusação,
acho que colocaria a culpa em terceiros, como o homem das latinhas
que se apropria da cidade para realizar trabalho.
Tenho
todo dia uma fuga pra minha não apropriação. E talvez por isso eu
escute desde menina como um mantra “Maria, você é muito
lenta”. A minha lerdeza me salvou e hoje posso me encontrar
feliz, mas não sem angústias nos poemas do Manuel de Barros e nos
do Fernando Pessoa. A minha lerdeza não foi apropriada pela pressa
irracional.
A
minha repressão resultou em silêncios incompreensíveis, mas que
hoje tem mais significado de reflexão da fala do que de submissão.
Me ensina cotidianamente a repeitar tempo e silêncio do outro. Me
ensinou escuta e observação. E por explosões veladas, me grita
sobre o desejo de enlouquecer. “Essa aí tem boca e não fala
né?”. A repressão não se
apropriou das minhas formas de comunicação. O silêncio meu deu a escrita.
“Vive
com a cabeça na lua/ Só tem cabeça pra carregar piolho”.
De fato o que eu mais carreguei durante minha vida foram piolhos,
podia colecioná-los se quisesse, mas
se querem saber eles
serviram mais em minha formação na minha relação com as pessoas
de que qualquer outra coisa.
Se minha
cabeça tivesse no pescoço
eu não estaria aqui e o
moço das latinhas seria aos meus sentidos mais uma apropriação de um sujeito pela cidade.
Que
fique claro eu não tenho ideia da estrutura de uma poesia, mas não
tem problema este detalhe certamente (pra mim) é o que há de menos
poético. Tenho um caderno que de poesias de quando era menina, acho
que faltava essa lá.
Eu
me aproprio
de mim, fujo.
A
pressa alheia tentava me acelerar
Eu
lenta, eu tonta, eu lesma
aprendi
antes a gozar
O
mundo adulto não sabia
enlouquecer
São
lentos, são tontos, são lesmas
Achando
que sabem o que é crescer
Em
meio a tantas ordens descabidas
meu
silêncio debochava
do
que chamavam
“de ser alguém na vida”
A
gente “cresce”
a
ladainha se repete
Mas
aprendei sobre apropriação
que sou
tonta, sou lenta, sou
lesma
para permanecer
no meu processo
de
criação.
De
Maria para Maria, 04/11/2014

Pra quem não sabe, a repressora "é a Mãe"! ha ha ha Essa menina lenta é a minha maior criação. A maior cria - Ação que eu inventei! Almo essa menina Tonta e lenta. Por Carolina de Cássia
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