terça-feira, 4 de novembro de 2014

Coisas -que eu não escrevi- de quando criança

Coisas -que eu não escrevi- de quando criança







Maria, você tá sempre buscando os caminhos mais fáceis”

Na rua um homem tem um cigarro na mão, enquanto no meio da rua de frente para o ponto faz sinal pro ônibus vir devagar e os movimentos das suas mãos ao vento parece tentar indicar onde ele deve passar, logo depois muito barulho e as latinhas que ele havia espalhado pelo asfalto eram amassadas, vinha outro e a cena se repetia...

Quando pequena acho que não tinha clara essa reflexão na minha cabeça, mas se hoje eu pudesse elaborar uma resposta para tal acusação, acho que colocaria a culpa em terceiros, como o homem das latinhas que se apropria da cidade para realizar trabalho.

Tenho todo dia uma fuga pra minha não apropriação. E talvez por isso eu escute desde menina como um mantra “Maria, você é muito lenta”. A minha lerdeza me salvou e hoje posso me encontrar feliz, mas não sem angústias nos poemas do Manuel de Barros e nos do Fernando Pessoa. A minha lerdeza não foi apropriada pela pressa irracional.

A minha repressão resultou em silêncios incompreensíveis, mas que hoje tem mais significado de reflexão da fala do que de submissão. Me ensina cotidianamente a repeitar tempo e silêncio do outro. Me ensinou escuta e observação. E por explosões veladas, me grita sobre o desejo de enlouquecer. “Essa aí tem boca e não fala né?”. A repressão não se apropriou das minhas formas de comunicação. O silêncio meu deu a escrita.

Vive com a cabeça na lua/ Só tem cabeça pra carregar piolho”. De fato o que eu mais carreguei durante minha vida foram piolhos, podia colecioná-los se quisesse, mas se querem saber eles serviram mais em minha formação na minha relação com as pessoas de que qualquer outra coisa. Se minha cabeça tivesse no pescoço eu não estaria aqui e o moço das latinhas seria aos meus sentidos mais uma apropriação de um sujeito pela cidade.


Que fique claro eu não tenho ideia  da estrutura de uma poesia, mas não tem problema este detalhe certamente (pra mim) é o que há de menos poético. Tenho um caderno que de poesias de quando era menina, acho que faltava essa lá.



Eu me aproprio de mim, fujo.


A pressa alheia tentava me acelerar
Eu lenta, eu tonta, eu lesma
aprendi antes a gozar

O mundo adulto não sabia enlouquecer
São lentos, são tontos, são lesmas
Achando que sabem o que é crescer

Em meio a tantas ordens descabidas
meu silêncio debochava
do que chamavam “de ser alguém na vida”

A gente “cresce”
a ladainha se repete

Mas aprendei sobre apropriação
que sou tonta, sou lenta, sou lesma
para permanecer no meu processo
de criação.



De Maria para Maria, 04/11/2014

Um comentário:

  1. Pra quem não sabe, a repressora "é a Mãe"! ha ha ha Essa menina lenta é a minha maior criação. A maior cria - Ação que eu inventei! Almo essa menina Tonta e lenta. Por Carolina de Cássia

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