terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Uma surpresa dentro do serviço social: Psicologia Social, uma experiência de aula livre.

Uma surpresa dentro do serviço social: Psicologia Social, uma experiência de aula livre.

O primeiro aprendizado com a “disciplina” de Psicologia Social”, foi a própria abertura para re-significação da universidade e da sala de aula. A chance de desconstrução e questionamento de uma instituição e de espaços que costumam ser autoritários/hierarquizados. Partindo do começo, a postura que foi adotada de indagação do conteúdo que seria abordado, com o questionamento sobre o que nós estudantes gostaríamos de aprender (o que nunca houve em seis períodos), já nos colocava em uma outra posição da qual não estamos costumados a ocupar que é a posição de sujeitos também construtores do nosso processo de formação.
A partir daí já começava a enxergar a sala de aula como espaço democrático e passível de contratos, o que me entusiasmava muito mais a participação, já que não era um espaço hostil, que eu precisava ter medo e onde a figura do professor não representava para mim uma imagem opressora que detinha poder/saber, mas um espaço de troca que compartilharíamos as variadas formas de saber, sem que uma precisasse se sobrepor a outra. Esse elemento facilitava e instigava o debate e a reflexão dentro da sala de aula, em uma análise que se podia partir de nossa realidade e experiência, sendo então fundamental, já que nas outras disciplinas para que haja discordância os professores um embasamento teórico, o que culmina muitas vezes em silênciamento. Assim todos parecem estar flexíveis em se rever, sem que haja uma verdade única ou só um modo de pensar.
A possibilidade de reflexão do nosso cotidiano, da nossa participação política, seja dentro da universidade, no bairro, no trabalho, na comunidade e etc fez com que houvesse a possibilidade de romper com o academicismo engessado e vincular as formas de saber acumuladas com a nossa história ao conteúdo apreendido dentro de sala, avançando à reflexão de como pensar esse conhecimento na nossa futura prática profissional.
Por isso achava genial muitas vezes ter havido uma parte de informes no início da aula (que acho inclusive poderia ser estendido a atividades extra-uerj) fazia com que estimulasse a gente a pensar nos processos políticos que fazem parte de onde nós estamos em uma perspectiva que nós, sujeitos coletivos, somos construtores e de que forma poderíamos vir a intervir. Este ponto é positivo porque muitas vezes nos perdemos em divagações sobre a luta de classes, sem pensá-la na realidade em que vivemos o que acaba em séries de abstrações, onde acumulamos um monte de inseguranças de como poderemos fazer a articulação desta teoria com a prática. Além disso, a separação rígida dentro do serviço social entre a militância estudantil e a contribuição pra nossa formação e para a prática profissional, dá a entender que ao invés da militância ser potencial, ela é entrave.
Outro elemento que acredito ser fundamental é que era uma aula “livre” de medidas coercitivas, como por exemplo, a chamada, o que acredito ser muito inteligente, tendo em vista que no serviço social é muito comum um discurso presente nos professores de defesa do ensino presencial, que é utilizado basicamente para barrar os alunos trabalhadores da sala de aula que chegam atrasados e colocar aquele espaço como de saber supremo e de garantia de formação de bons profissionais, mesmo que as aulas sejam meramente expositivas e sem que a prática pedagógica seja concretamente repensada. Com essa postura da possibilidade de escolha afastamo-nos de uma relação tutelada, onde o professor na representação da figura de autoridade sempre saberá o que é melhor para o aluno, em uma relação verticalizada.
Continuarei a insistir nos aspectos pedagógicos porque acredito que o próprio processo de construção dentro da sala de aula, já é um processo de formação, que na maior parte das vezes é deixado de lado pela urgência de aplicação do conteúdo, onde não temos o costume de avaliar a absorção do mesmo. Aliás, aproveitando o gancho sobre avaliação, tivemos a boa surpresa de lidar pela primeira vez com auto-avaliação, o que permite uma auto-crítica sincera (ou não), mas que fez com que pudesse refletir a origem dos meus interesse, dos meus limites e do que é possível, pensar o que e o porque da curiosidade de certos aspectos, despertar a instigação e etc. A autonomia está diretamente vinculada a responsabilização do aprendizado.
Além disso, a sensibilidade com que foi gerida à avaliação é de suma importância, uma vez que nós estudantes costumamos estar nervosos e constrangidos, já que somos sempre colocados em posição de dar respostas certas e não de fazer perguntas, dividir as dúvidas, estar livres para associações. Estamos sempre presos a um molde de prova (que muitas vezes se resumem a cola e decoreba) ou de trabalhos que o professor transforma o momento de troca em medo, em avaliação de “bom desempenho formal/oral”.
Nesta matéria a professora foi democrática e nos deixou tranqüilos em ter a preocupação de sempre afirmar que não temos a obrigação de saber aquele conteúdo, que podemos fazer perguntas. Aliás, o meu grupo, por exemplo, não fez uma apresentação do texto, levamos pra sala a apresentação do debate do próprio grupo, onde debatíamos, discordávamos entre nós e trazíamos novas questões, ou seja, foi mais um exemplo de mecanismo democrático dentro de sala.
Sobre o conteúdo, pra mim esteve o tempo inteiro ligado a tudo que foi dito a cima e abordarei mais a frente. Como aprendi, é preciso antes, que eu situe o terreno de onde estou falando, por isso é preciso explicitar que o curso de Serviço Social ainda que progressista no aspecto de pensar criticamente a sociedade, sobre outra ótica tem uma “vivência” conservadora, o que faz com que tenhamos uma rejeição a muitos autores; que mesmo lidando com humano, a subjetividade seja algo pouco abordado e deixado em segundo plano; e o que nos falam sobre a psicologia está sempre focado no papel normatizador que ela pode cumprir, muito mais do que em pensar no que poderíamos “beber” de seus avanços em exatamente contestar esse papel (o que levanta mais uma barreira). Esses três paradigmas puderam ser re-construídos através da “disciplina”.
O conteúdo das aulas nunca significava pra mim apenas apreensão teórica, mas a possibilidade de reflexão da futura prática profissional, da militância e dos processos pedagógicos. O primeiro texto trabalhado: “Micropolitica: cartografia do desejo” de Felix Guatari e Suely Rolink começa por abordar a cultura de massa que produz indivíduos normatizados e submissos, em um sistema que ao longo do tempo se tornou complexo e sutil.
Posteriormente toca em um ponto que me chamou muita atenção, que é quando vai discutir a subjetividade, quando ele diz que sua produção não é algo a ser preenchido, não é uma “falta”, e sim uma formação que se fabricada, moldada na relação. Neste momento me veio algumas questões em minha cabeça em relação a minha formação. Primeiro que o pensamento crítico que tanto falamos no serviço social muitas vezes vem de forma pronta, como uma substituição, sem levar em conta a leitura critica (não acadêmica) que os próprios sujeitos fazem de sua realidade, que trazem angústias e contradições neste olhar. Por isso pra mim é impossível pensar em respeitar a autonomia do usuário, compreende-lo como sujeito, se esse não é um exercício entre nós e os professores.
Se nós futuramente lidarmos com o usuário/o outro a partir de um olhar pronto/viciado, corremos o risco de colocá-lo em posição de vítima em uma perspectiva com enfoque sempre na resolução da falta e não na construção com ele, a partir do olhar dele, de sua rede, de seu desejo, em sua potencialidade para que ele possa pensar a resolução de seu problema com o auxílio do serviço social/de sua instrumentalização. Ou seja, é necessário que essa forma crítica de leitura da sociedade não seja única e fechada, sendo auto-refletida sempre para pensar como é possível sua aplicação para construções de processo de singularização. Aliás, mais uma vez situando de onde falo, é um lugar complexo, pois na condição de estudante, que ainda não teve contato com a prática, o que foi exposto são meras angústias que estão podendo ser levantadas na apresentação deste contraponto à formação marxista.
Em outro momento utilizamos o SUAS e um método interessante, pois, havia a todo tempo questionamento do nosso discurso que naturaliza uma série de “categorias” que são reproduzidos por nós de forma mecânica, colocá-los em cheque, pensar como utilizamos na prática, como por exemplo, o conceito de “emancipação” ou “vulnerabilidade” e o que representam de fato no nosso trabalho com o usuário ou se apenas se tronou uma espécie de chavão que nós reproduzimos. E naturalizamos um novo discurso: “Nós não emancipamos o outro, construímos essa emancipação com ele” e eu fico a refletir se eu sinto que estou em uma educação, se tenho uma relação com os professores que é autônoma e emancipatória, na verdade eu acho que ainda não e essa matéria só deixou isso ainda mais explícito pra mim.
A busca pelo significado destes conceitos e de como eles poderiam servir sem que percebamos e de como podem a uma lógica normatizadora. O cuidado com expressões como “exclusão” e “reabilitação” pra mim foram centrais, para pensar: “Como assim incluir?” “Quem é que ta fora desta sociedade?” “Na verdade reabilitar o que?” “Significa incluir e reabilitar no mercado de trabalho?” “Eu como possível assistente social quero colocá-lo dentro dos “padrões normativos de vida”? “Quais são os meus valores? É possível que me afaste deles?”. São perguntas, que fazem surgir outras e que não pretensão de reponde-las no momento, estar sempre levantando-as já me parece um exercício importante.
Em conclusão, esta aula me proporcionou pela primeira vez uma sensação de liberdade, que é possível uma construção de aula que seja democrática e não-castradora. Que eu pense não só no conteúdo, mas na forma de me pensar também, me pensar enquanto parte de um grupo de uma turma, de como são construídas nossas relações enquanto um coletivo e que essa já pode ser (ou não) uma experiência de lidar com sujeitos, válida para quando for assistente social e estiver trabalhando com um grupo. A aula veio para me mostrar na forma e no conteúdo que qualquer formação na área de humanas que não se propõe formar meros reprodutores, se estiver presa somente aos livros, sem olhar e escuta atentos, sem estar preocupada com o próprio cotidiano, está também (de outra forma) reproduzindo práticas disciplinadoras e aí eu acredito que seu projeto esteja fadado ao fracasso.

Maria Carolina Abreu Peixoto Paes.









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