Uma
surpresa dentro do serviço social: Psicologia Social, uma experiência de aula
livre.
O
primeiro aprendizado com a “disciplina” de Psicologia Social”, foi a própria
abertura para re-significação da universidade e da sala de aula. A chance de
desconstrução e questionamento de uma instituição e de espaços que costumam ser
autoritários/hierarquizados. Partindo do começo, a postura que foi adotada de
indagação do conteúdo que seria abordado, com o questionamento sobre o que nós
estudantes gostaríamos de aprender (o que nunca houve em seis períodos), já nos
colocava em uma outra posição da qual não estamos costumados a ocupar que é a
posição de sujeitos também construtores do nosso processo de formação.
A
partir daí já começava a enxergar a sala de aula como espaço democrático e
passível de contratos, o que me entusiasmava muito mais a participação, já que
não era um espaço hostil, que eu precisava ter medo e onde a figura do
professor não representava para mim uma imagem opressora que detinha
poder/saber, mas um espaço de troca que compartilharíamos as variadas formas de
saber, sem que uma precisasse se sobrepor a outra. Esse elemento facilitava e
instigava o debate e a reflexão dentro da sala de aula, em uma análise que se
podia partir de nossa realidade e experiência, sendo então fundamental, já que
nas outras disciplinas para que haja discordância os professores um embasamento
teórico, o que culmina muitas vezes em silênciamento. Assim todos parecem estar
flexíveis em se rever, sem que haja uma verdade única ou só um modo de pensar.
A possibilidade de reflexão do nosso
cotidiano, da nossa participação política, seja dentro da universidade, no
bairro, no trabalho, na comunidade e etc fez com que houvesse a possibilidade
de romper com o academicismo engessado e vincular as formas de saber acumuladas
com a nossa história ao conteúdo apreendido dentro de sala, avançando à
reflexão de como pensar esse conhecimento na nossa futura prática profissional.
Por
isso achava genial muitas vezes ter havido uma parte de informes no início da
aula (que acho inclusive poderia ser estendido a atividades extra-uerj) fazia
com que estimulasse a gente a pensar nos processos políticos que fazem parte de
onde nós estamos em uma perspectiva que nós, sujeitos coletivos, somos
construtores e de que forma poderíamos vir a intervir. Este ponto é positivo
porque muitas vezes nos perdemos em divagações sobre a luta de classes, sem
pensá-la na realidade em que vivemos o que acaba em séries de abstrações, onde
acumulamos um monte de inseguranças de como poderemos fazer a articulação desta
teoria com a prática. Além disso, a separação rígida dentro do serviço social
entre a militância estudantil e a contribuição pra nossa formação e para a
prática profissional, dá a entender que ao invés da militância ser potencial,
ela é entrave.
Outro
elemento que acredito ser fundamental é que era uma aula “livre” de medidas
coercitivas, como por exemplo, a chamada, o que acredito ser muito inteligente,
tendo em vista que no serviço social é muito comum um discurso presente nos professores
de defesa do ensino presencial, que é utilizado basicamente para barrar os
alunos trabalhadores da sala de aula que chegam atrasados e colocar aquele
espaço como de saber supremo e de garantia de formação de bons profissionais, mesmo
que as aulas sejam meramente expositivas e sem que a prática pedagógica seja
concretamente repensada. Com essa postura da possibilidade de escolha
afastamo-nos de uma relação tutelada, onde o professor na representação da
figura de autoridade sempre saberá o que é melhor para o aluno, em uma relação
verticalizada.
Continuarei
a insistir nos aspectos pedagógicos porque acredito que o próprio processo de
construção dentro da sala de aula, já é um processo de formação, que na maior
parte das vezes é deixado de lado pela urgência de aplicação do conteúdo, onde não
temos o costume de avaliar a absorção do mesmo. Aliás, aproveitando o gancho sobre
avaliação, tivemos a boa surpresa de lidar pela primeira vez com auto-avaliação,
o que permite uma auto-crítica sincera (ou não), mas que fez com que pudesse
refletir a origem dos meus interesse, dos meus limites e do que é possível,
pensar o que e o porque da curiosidade de certos aspectos, despertar a
instigação e etc. A autonomia está diretamente vinculada a responsabilização do
aprendizado.
Além
disso, a sensibilidade com que foi gerida à avaliação é de suma importância,
uma vez que nós estudantes costumamos estar nervosos e constrangidos, já que
somos sempre colocados em posição de dar respostas certas e não de fazer
perguntas, dividir as dúvidas, estar livres para associações. Estamos sempre
presos a um molde de prova (que muitas vezes se resumem a cola e decoreba) ou
de trabalhos que o professor transforma o momento de troca em medo, em
avaliação de “bom desempenho formal/oral”.
Nesta
matéria a professora foi democrática e nos deixou tranqüilos em ter a
preocupação de sempre afirmar que não temos a obrigação de saber aquele
conteúdo, que podemos fazer perguntas. Aliás, o meu grupo, por exemplo, não fez
uma apresentação do texto, levamos pra sala a apresentação do debate do próprio
grupo, onde debatíamos, discordávamos entre nós e trazíamos novas questões, ou
seja, foi mais um exemplo de mecanismo democrático dentro de sala.
Sobre
o conteúdo, pra mim esteve o tempo inteiro ligado a tudo que foi dito a cima e
abordarei mais a frente. Como aprendi, é preciso antes, que eu situe o terreno
de onde estou falando, por isso é preciso explicitar que o curso de Serviço
Social ainda que progressista no aspecto de pensar criticamente a sociedade,
sobre outra ótica tem uma “vivência” conservadora, o que faz com que tenhamos uma
rejeição a muitos autores; que mesmo lidando com humano, a subjetividade seja
algo pouco abordado e deixado em segundo plano; e o que nos falam sobre a
psicologia está sempre focado no papel normatizador que ela pode cumprir, muito
mais do que em pensar no que poderíamos “beber” de seus avanços em exatamente
contestar esse papel (o que levanta mais uma barreira). Esses três paradigmas
puderam ser re-construídos através da “disciplina”.
O
conteúdo das aulas nunca significava pra mim apenas apreensão teórica, mas a
possibilidade de reflexão da futura prática profissional, da militância e dos
processos pedagógicos. O primeiro texto trabalhado: “Micropolitica: cartografia
do desejo” de Felix Guatari e Suely Rolink começa por abordar a cultura de
massa que produz indivíduos normatizados e submissos, em um sistema que ao
longo do tempo se tornou complexo e sutil.
Posteriormente
toca em um ponto que me chamou muita atenção, que é quando vai discutir a
subjetividade, quando ele diz que sua produção não é algo a ser preenchido, não
é uma “falta”, e sim uma formação que se fabricada, moldada na relação. Neste
momento me veio algumas questões em minha cabeça em relação a minha formação.
Primeiro que o pensamento crítico que tanto falamos no serviço social muitas
vezes vem de forma pronta, como uma substituição, sem levar em conta a leitura
critica (não acadêmica) que os próprios sujeitos fazem de sua realidade, que
trazem angústias e contradições neste olhar. Por isso pra mim é impossível pensar
em respeitar a autonomia do usuário, compreende-lo como sujeito, se esse não é
um exercício entre nós e os professores.
Se
nós futuramente lidarmos com o usuário/o outro a partir de um olhar pronto/viciado,
corremos o risco de colocá-lo em posição de vítima em uma perspectiva com
enfoque sempre na resolução da falta e não na construção com ele, a partir do
olhar dele, de sua rede, de seu desejo, em sua potencialidade para que ele
possa pensar a resolução de seu problema com o auxílio do serviço social/de sua
instrumentalização. Ou seja, é necessário que essa forma crítica de leitura da
sociedade não seja única e fechada, sendo auto-refletida sempre para pensar
como é possível sua aplicação para construções de processo de singularização.
Aliás, mais uma vez situando de onde falo, é um lugar complexo, pois na
condição de estudante, que ainda não teve contato com a prática, o que foi
exposto são meras angústias que estão podendo ser levantadas na apresentação
deste contraponto à formação marxista.
Em
outro momento utilizamos o SUAS e um método interessante, pois, havia a todo
tempo questionamento do nosso discurso que naturaliza uma série de “categorias”
que são reproduzidos por nós de forma mecânica, colocá-los em cheque, pensar
como utilizamos na prática, como por exemplo, o conceito de “emancipação” ou
“vulnerabilidade” e o que representam de fato no nosso trabalho com o usuário
ou se apenas se tronou uma espécie de chavão que nós reproduzimos. E
naturalizamos um novo discurso: “Nós não emancipamos o outro, construímos essa
emancipação com ele” e eu fico a refletir se eu sinto que estou em uma
educação, se tenho uma relação com os professores que é autônoma e
emancipatória, na verdade eu acho que ainda não e essa matéria só deixou isso
ainda mais explícito pra mim.
A busca pelo significado destes conceitos e de
como eles poderiam servir sem que percebamos e de como podem a uma lógica
normatizadora. O cuidado com expressões como “exclusão” e “reabilitação” pra
mim foram centrais, para pensar: “Como assim incluir?” “Quem é que ta fora
desta sociedade?” “Na verdade reabilitar o que?” “Significa incluir e
reabilitar no mercado de trabalho?” “Eu como possível assistente social quero
colocá-lo dentro dos “padrões normativos de vida”? “Quais são os meus valores?
É possível que me afaste deles?”. São perguntas, que fazem surgir outras e que
não pretensão de reponde-las no momento, estar sempre levantando-as já me
parece um exercício importante.
Em
conclusão, esta aula me proporcionou pela primeira vez uma sensação de
liberdade, que é possível uma construção de aula que seja democrática e
não-castradora. Que eu pense não só no conteúdo, mas na forma de me pensar
também, me pensar enquanto parte de um grupo de uma turma, de como são
construídas nossas relações enquanto um coletivo e que essa já pode ser (ou não)
uma experiência de lidar com sujeitos, válida para quando for assistente social
e estiver trabalhando com um grupo. A aula veio para me mostrar na forma e no
conteúdo que qualquer formação na área de humanas que não se propõe formar
meros reprodutores, se estiver presa somente aos livros, sem olhar e escuta
atentos, sem estar preocupada com o próprio cotidiano, está também (de outra
forma) reproduzindo práticas disciplinadoras e aí eu acredito que seu projeto esteja
fadado ao fracasso.
Maria
Carolina Abreu Peixoto Paes.
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