Lesma
Ela corria na praia, corria muito. Seu correr não tinha um fim, ao menos, ela gostaria que não. Gostaria não precisar ter que voltar. Porque a volta seria feita de passos corcundas, arrastados. Sua corrida para seu desgosto era lúcida. A corrida não era capaz de lhe tirar nenhum minuto de sua lucidez. A sua boca tinha um riso de choro, um bocejo de desespero. Os passos apressados lhe davam o prazer de perder o ar, substituindo a sensação das outras angústias. A volta tinha lugar, mas não tinha morada. Era volta de lesma, que queria ficar pregada no chão e dormir em si, transformar o corpo em casa, onde só ela poderia entrar. Voltava, e agora estava tão distante de onde saiu que parecia pisar para um infinito triste. Ela sabia que não existe fuga, porque a fuga traz outra fuga e outra e outra e outra. Por isso corre, corre até poder sumir e carrega nas costas as toneladas desse não-poder, como se pudesse ser um ponto que faz parte do invisível. Entra no ônibus pra voltar a sua residência, o ônibus tem fim e volta ao começo, mas roda como a cabeça dela, e por isso desejava não precisar descer. Desejava rodar sentada por toda a vida, sem que aquele ônibus não parasse um minuto de rodar, rodasse até poder sumir, como um ponto que faz parte do invisível. Desce tonta, desce lesma. Atravessando o sinal, percebe um ponto invisível, uma senhora atravessa a rua, no ritmo dos seus passos, dando arritmia na cidade-produção, sua lucidez é desacelerada. A menina caminha até ela no meio da rua e segue seus passos, sem pressa, sem angústia, apenas com o coro das buzinas dos carros que lhe arrancam um sorriso. É possível escutar o som da correria que não tem pra onde fugir. As duas não precisam trocar palavras, apenas se olham. A lesma da faixa de pedestre apresenta a moça a sua morada.
Maria Carolina Abreu
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