DOIS COPOS DE CACHAÇA.
Marcos chorava baixo no quarto.
Chovia leve. Ele colocou as mãos pra fora, mas os pingos de chuva, não mais o
faziam sorri, abrir os braços e girar. Era só chuva, que no máximo, dava uma
refrescada naquela noite quente e solitária. A luz ia e vinha e então mais ele
chorava. Não era medo do escuro, era que a escuridão se parecia tanto com seu
corpo, que tinha medo de ir embora junto da luz, quando ela reascendesse.
Marcos se lembrava de Paulo que sabia que jamais estaria sozinho. Ele se tocava
como se fosse sempre insaciável e não entendia se dor e prazer são sentimentos
capazes de se confundir de forma que faça bem a algum ser humano. Lembrava do
sexo, com Paulo, que tinha tantos outros homens e tantas outras mulheres. O
sexo deles também era feito de dor, de choro no canto do olho, era feito de
toques em corpos desconhecidos, era feito de amor, e de vez em quando de gozo
físico, pontualmente de gozo, onde a alma geme e o corpo contrai. Paulo acha
que sabe o que é solidão, na verdade, acha possível conhecer a solidão de
Marcos. Marcos sente raiva por isso, no fundo, sabe que ninguém é capaz de
entender de onde vem sua dor, pois ele próprio desconhece. Desconhece o que
acontece com aquele corpo que tá agora com os braços apertando as pernas no
canto da parede, buscando por alguém que ele não quer ao seu lado, não neste momento,
dentro dessas condições patéticas que ele se coloca. Marcos sente raiva pela felicidade
e bondade de Paulo. No fundo, por prepotência ou por suas investigações da
existência, sabe que Paulo só é tão bom, porque têm que veja todas suas
demonstrações de bondade. E a felicidade é aquela coisa meio deprimente que
parece mais uma sarna crônica. Marcos então tem acessos de desprezo por si,
pelo que falta ou pelo que não gosta e mentalmente ataca a todas as pessoas ao
seu redor. Marcos quer gritar, mas acha demasiado sintoma histérico incomodar
os vizinhos. Já teve que passar o dia, escutando duas vizinhas chorar
compulsivamente, uma porque queimou o bolo e outra porque o filhote tá no mundo
das drogas. Se sente mal, por seus pensamentos perversos. Depois pensa o que
significa o choro das mulheres. Tem compaixão. É claro, que ambas não precisam
disso. Talvez a melhor qualidade do Marcos seja dimensionar e discorrer sobre
sua insignificância. Convenhamos, é pra poucos. Conforme Marcos vai se
percebendo idiota, vai sorrindo e sofrendo. Pensa em Paulo, que deve tá na cama
com outra pessoa agora. É incapaz de sentir ciúmes, sua mente por este momento
consegue ser fria, nesse jogo de crueldade pontual. Mas no fundo tem uma
inveja, daquele filho da puta, que acha que sabe o que é solidão. O conceito do
imbecil é baseado em um desses filmes de primeiro amor da sessão da tarde, onde
ele consegue tirar reflexões muito profundas. Marcos pensa que não gostaria de
estar nos braços de Paulo escutando consolo barato. Aliás, isso é algo que o
irrita muito, não entende porque as pessoas quando o vem triste, simplesmente
não calam a boca. As pessoas precisam entender que todos os conselhos do mundo já
foram dados e são repetidos. É uma receita de bolo azedo, um bolo, que não é
desses sem graça, é bolo de festa confeitado, mas azedo, batido, bonito por
fora e impossível de tragar por dentro. Marcos gostaria de falar coisas para o
mundo, dentre elas, parem de ditar regras pra gente triste, não ajuda. Ajudar gente triste, é tipo milagre de Jesus,
é bom que tenha gente por perto pra ver, do contrário você só vai se irritar
vendo que suas regras não são cumpridas nem de mão dada. Paulo é desse tipo,
tem receita pra tudo, até porque, supera todos os problemas da vida. Marcos
acha que sua mente é doentia e tem medo de si mesmo, o que é a pior coisa que
alguém pode sentir. Marcos às vezes se cansa dele e das outras pessoas,
escutá-las faz o querer arranhar as paredes, então de forma constrangedora sua
cabeça voa e olhando pra alguém que ele não quer que se sinta desamparado, faz
confirmações toscas com a cabeça. Marcos odeia não ter interesse pelos outros,
odeia se sentir enjoado com as palavras que ouve. Marcos às vezes tem vontade
de dar um murro no lindo nariz de Paulo. Marcos odeia se olhar no espelho. Sua
segunda maior qualidade é conseguir se enxergar no insuportável. Isso é pra
quase nenhum. Marcos decide ligar pra Paulo.
Marcos: Alô
Paulo: e ai
Marcos: Tá com alguém?
Paulo: Não, to sozinho, acabei de
assistir um filme que você vai adorar.
Marcos: Que legal! Sobre o que é?
Paulo: Sobre a solidão dos tempos
modernos. Assisti e agora to aqui contemplando.
Marcos: quer vir aqui pra casa?
Paulo: tem que ser hoje? Queria
ficar um pouco sozinho.
Silêncio
Paulo: Tudo bem, estou indo.
Marcos toma dois copos de cachaça e
espera Paulo. Completamente nu. Vai foder até que alguém goze. Com raiva ou no
vocabulário do sexo: com vontade. Provavelmente vai se machucar. O álcool é pra
não desistir, ainda precisa entender de forma mais sensitiva sobre prazer, dor
e solidão.
Paulo convida Marcos pra assistir
Ninfomaníaca com ele na semana que vem. Marcos ri e tem a sensação passageira
de que é amado. Na semana que vem ou até no outro dia quando acordar e receber
os carinhos de Paulo... estará melhor.
Paulo, talvez seja bom sem que o
observem e sozinho no meio da multidão de suas trepadas e pessoas. Marcos um
arrogante inseguro e cheio de verme na cabeça e no coração no meio da solidão.
Talvez eles não sejam nada. Quem sabe, sequer existam.

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