quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

DOIS COPOS DE CACHAÇA

DOIS COPOS DE CACHAÇA.






Marcos chorava baixo no quarto. Chovia leve. Ele colocou as mãos pra fora, mas os pingos de chuva, não mais o faziam sorri, abrir os braços e girar. Era só chuva, que no máximo, dava uma refrescada naquela noite quente e solitária. A luz ia e vinha e então mais ele chorava. Não era medo do escuro, era que a escuridão se parecia tanto com seu corpo, que tinha medo de ir embora junto da luz, quando ela reascendesse. Marcos se lembrava de Paulo que sabia que jamais estaria sozinho. Ele se tocava como se fosse sempre insaciável e não entendia se dor e prazer são sentimentos capazes de se confundir de forma que faça bem a algum ser humano. Lembrava do sexo, com Paulo, que tinha tantos outros homens e tantas outras mulheres. O sexo deles também era feito de dor, de choro no canto do olho, era feito de toques em corpos desconhecidos, era feito de amor, e de vez em quando de gozo físico, pontualmente de gozo, onde a alma geme e o corpo contrai. Paulo acha que sabe o que é solidão, na verdade, acha possível conhecer a solidão de Marcos. Marcos sente raiva por isso, no fundo, sabe que ninguém é capaz de entender de onde vem sua dor, pois ele próprio desconhece. Desconhece o que acontece com aquele corpo que tá agora com os braços apertando as pernas no canto da parede, buscando por alguém que ele não quer ao seu lado, não neste momento, dentro dessas condições patéticas que ele se coloca. Marcos sente raiva pela felicidade e bondade de Paulo. No fundo, por prepotência ou por suas investigações da existência, sabe que Paulo só é tão bom, porque têm que veja todas suas demonstrações de bondade. E a felicidade é aquela coisa meio deprimente que parece mais uma sarna crônica. Marcos então tem acessos de desprezo por si, pelo que falta ou pelo que não gosta e mentalmente ataca a todas as pessoas ao seu redor. Marcos quer gritar, mas acha demasiado sintoma histérico incomodar os vizinhos. Já teve que passar o dia, escutando duas vizinhas chorar compulsivamente, uma porque queimou o bolo e outra porque o filhote tá no mundo das drogas. Se sente mal, por seus pensamentos perversos. Depois pensa o que significa o choro das mulheres. Tem compaixão. É claro, que ambas não precisam disso. Talvez a melhor qualidade do Marcos seja dimensionar e discorrer sobre sua insignificância. Convenhamos, é pra poucos. Conforme Marcos vai se percebendo idiota, vai sorrindo e sofrendo. Pensa em Paulo, que deve tá na cama com outra pessoa agora. É incapaz de sentir ciúmes, sua mente por este momento consegue ser fria, nesse jogo de crueldade pontual. Mas no fundo tem uma inveja, daquele filho da puta, que acha que sabe o que é solidão. O conceito do imbecil é baseado em um desses filmes de primeiro amor da sessão da tarde, onde ele consegue tirar reflexões muito profundas. Marcos pensa que não gostaria de estar nos braços de Paulo escutando consolo barato. Aliás, isso é algo que o irrita muito, não entende porque as pessoas quando o vem triste, simplesmente não calam a boca. As pessoas precisam entender que todos os conselhos do mundo já foram dados e são repetidos. É uma receita de bolo azedo, um bolo, que não é desses sem graça, é bolo de festa confeitado, mas azedo, batido, bonito por fora e impossível de tragar por dentro. Marcos gostaria de falar coisas para o mundo, dentre elas, parem de ditar regras pra gente triste, não ajuda.  Ajudar gente triste, é tipo milagre de Jesus, é bom que tenha gente por perto pra ver, do contrário você só vai se irritar vendo que suas regras não são cumpridas nem de mão dada. Paulo é desse tipo, tem receita pra tudo, até porque, supera todos os problemas da vida. Marcos acha que sua mente é doentia e tem medo de si mesmo, o que é a pior coisa que alguém pode sentir. Marcos às vezes se cansa dele e das outras pessoas, escutá-las faz o querer arranhar as paredes, então de forma constrangedora sua cabeça voa e olhando pra alguém que ele não quer que se sinta desamparado, faz confirmações toscas com a cabeça. Marcos odeia não ter interesse pelos outros, odeia se sentir enjoado com as palavras que ouve. Marcos às vezes tem vontade de dar um murro no lindo nariz de Paulo. Marcos odeia se olhar no espelho. Sua segunda maior qualidade é conseguir se enxergar no insuportável. Isso é pra quase nenhum. Marcos decide ligar pra Paulo.
Marcos: Alô
Paulo: e ai
Marcos: Tá com alguém?
Paulo: Não, to sozinho, acabei de assistir um filme que você vai adorar.
Marcos: Que legal! Sobre o que é?
Paulo: Sobre a solidão dos tempos modernos. Assisti e agora to aqui contemplando.
Marcos: quer vir aqui pra casa?
Paulo: tem que ser hoje? Queria ficar um pouco sozinho.
Silêncio
Paulo: Tudo bem, estou indo.
Marcos toma dois copos de cachaça e espera Paulo. Completamente nu. Vai foder até que alguém goze. Com raiva ou no vocabulário do sexo: com vontade. Provavelmente vai se machucar. O álcool é pra não desistir, ainda precisa entender de forma mais sensitiva sobre prazer, dor e solidão.

Paulo convida Marcos pra assistir Ninfomaníaca com ele na semana que vem. Marcos ri e tem a sensação passageira de que é amado. Na semana que vem ou até no outro dia quando acordar e receber os carinhos de Paulo... estará melhor.


Paulo, talvez seja bom sem que o observem e sozinho no meio da multidão de suas trepadas e pessoas. Marcos um arrogante inseguro e cheio de verme na cabeça e no coração no meio da solidão. Talvez eles não sejam nada. Quem sabe, sequer existam.

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