sexta-feira, 13 de julho de 2018

Verde


Ela não sabia cantar como as belas meninas da pequena cidade que ao entoar um canto pareciam ficar ainda mais bonitas com vozes que surpreendiam por não ser a voz com que falavam. A jovem de pele verde com os membros trocados por todo o corpo sequer sabia cantar, nem essa graça lhe foi concedida. As moças que andavam de braços dados preservavam um cheiro bom que circulava nos cantos dando um tom impecável ao ar. A menina verde observava de baixo das pedras, pois tinha cheiro de musgo, maresia, cinza, vento e suor que ia fazendo ondulações no ar límpido. E as peles de finuras invisíveis, macias, que as meninas carregavam para todo lado como um veludo que acariciava tudo que elas podiam tocar com seus corpos. E ela, além de verde? Cheia de cascas de árvores penduradas, brotos e buracos de bichinhos do nariz que fica em cima do pescoço enquanto a cabeça está presa no joelho. As mulheres da cidade têm olhos que encontram profundidades em olhares que merecem, são olhos bonitos, meio avoados por necessidade de não perderem tamanha profundidade, porque afinal são olhos raros e se olharem para tudo podem ficar cegos, sem valor, rasos.  A moça verde tem centenas de olhos então não haveria de algum ser importante e por não achá-los importantes, olham o mundo de forma emocionada e banal. Enquanto observa as senhoras que riem baixo, moderadamente, preservando seus sorrisos. Ela abre sua boca sem dentes com sua língua torta de um detalhe bobo que lhe causa uma excitação ridícula, patética talvez, uma excitação que as moças nunca sentiram a não ser quando narram coisas que botam na boca do outro sabor de grandiosidade, gosto de pérola. O ser verde que observa as moças da cidade sente que seu lamento por não saber cantar é menor do que seu prazer por deformar o mundo.

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