quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Aparições momentâneas

Aparições momentâneas


Relações: só no balcão de utilidades, diz um aviso. Pode despejar aqui suas dores. Deposite seus grandes sacos de lixo vazios. Vem ter uns minutos de atenção. Use esse recanto para recuperação. Para depois desaparecer. Mergulhe nesse teu amargor, mas não se corte com os cacos do espelho que você quebrou quando se viu. Quanto medo de si, isso é medo do mundo. É medo de que o mundo te rejeite da mesma que forma que você faz consigo. Vá com o vento, ele seca tua boca para que você evite falar certas coisas por ai. Te tira beijos doces. Mas não acredite que você pode ir aos lugares que o vento vai. Você fica. Foi marcado pela síndrome do eterno retorno. Morre pra voltar. Vive para morrer. Não fique muito por perto. O teu afeto, quando chega aqui, é proporcional ao tamanho do medo de sua solidão. Não existe querer por aqui. Se encarar, dói. Muito. Preencha as prateleiras com esse dilema. No caos, se parece com conservas de afeto. Não sobe muito alto nas escadas. Seu equilíbrio é ruim. Você prefere o chão, mesmo que lá os potes de vidro corram mais riscos de serem quebrados, mesmo que rolem agitados de um lado para o outro. Seu desespero tem correntes. Fugir não é correr. Não tem problema. As prateleiras tão seguras, mesmo que elas estejam à cima de sua cabeça, intocáveis, mesmo que não tenham serventia para guardar certos sentimentos. A casa está escura, mas você não se assusta. Deita no chão sozinho. Mas tem a casa. Prateleiras firmes, sem nada. Se sente mal, mas bem. Solitário, mas abrigado. Preso, mas livre. Não consigo ver seus olhos. Tem tanta luz lá fora. Você se arrasta, encontra as frestas. São as frestas. Só as frestas. Já está bom. Está na hora de fechar o balcão de utilidade, digo. Abre conforme suas visitas, você bem sabe. Aqui não tem telhado, paredes ou portas trancadas. Aqui chuva é banho benzido. É lugar de muito pra quem anda vagando sem nada. É de coisa nenhuma que o amor se alimenta. Pobre amor. O engraçado é que o teto de sua casa, tão velho, tão desgastado, tão desgraçado, tão degradado nunca cai. Que se fechem todos os balcões invisíveis de utilidade! Chega, não quero mais escutar essa música apática e melancólica que sai da sua boca. Não quero esse estranhamento óbvio. Não quero lógica tão fácil. Se vire. Jogue os espelhos fora; Quebre a casa enquanto goza com as marteladas; deixa a porra da prateleira cair, não se preocupe, que ela não quebra; destrua essa sala burguesa de jantar; não morra aos poucos; o mundo não odeia ninguém, ele é inútil, só gira, não seja tão prepotente; quando o brinquedo que roda estiver girando muito forte, não fique aí com cabeça confusa girando pra sempre, enjoado, sem conseguir sair, solte as mãos, o máximo será um braço quebrado, dói, mas passa; corre nessa estrada que você nem sabe pra onde vai; não deixa seu desejo de descoberta morrer; olha como você fica bem nesta luz; não some. Talvez você acabe ruindo junto aquela sinistra casa. Só há encontros, quando ambos os corpos se iluminam, abraçados, admirando o balcão de inutilidades que arde em chamas. A partir de agora foi decretado o fim de todas as submissões e instaurada a liberdade comum da troca. Poesia é só para quem encara a forca, a fogueira, o pecado e o amor pelas grandes e miúdas revoluções! 

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Venha cá menina, eu te amo.

Venha cá menina, eu te amo.



Remédios. Corpo dopado, rosto triste, olhar que se segue ao nada, língua embolada, a cama que não a deixa sair. A ansiedade, tudo muito rápido, não é possível acompanhar, ao mesmo tempo, um esgotamento de monotonia, que grande vazio, é como se dentro do corpo os órgãos que pulsam, evaporassem e você se tornasse por dentro, nada, só preenchimento de ar. Não se sabe o que é, não se consegue gritar! Alguém? A falta de sentido nas pessoas, nas coisas, como se o mundo, fosse essa bola azul dos livros, que de fora é pequena e que em um passo em falso, se pode cair para a solitária imensidão do universo. Corpos dopados. Cerveja, drogas ilícitas, cigarros e muita mentira. Corpos embriagados, sem saber o limite de si, na brincadeira de mentirinha de se sentir solto, leve ou feliz. Coisa que se conta pra si mesmo, se engana, porque no fundo a gente tem até nojo. E é só com esse nojo, que parece coisa bonita por fora, que se consegue viver. Como é que se suporta vida levada assim? É excesso por desespero e depois contenção. Fica tudo meio ondulado, a cabeça gira, você não entende nada, nem quando entrou ou o porque e a saída ruim, as vezes é sempre retorno, sem você compreender porque volta novamente. Uma metade é trauma a outra é culpa. Uma culpa que me dói nas entranhas... não se reconhece, não sabe para onde ir, o que fazer, tem vontade de ir embora, uma parte grita pra ir embora, ir pra longe, só ir, sem um rumo, porque o que importa mesmo é o ato de deixar. O teatro da ordem é todo dia desmoronado, vive-se seqüências de transgressões falidas, porque a ordem  é só para dar com as línguas nos dentes. Por que caminhos você vai? Onde foi que seu controle se perdeu? Quem é que manda neste corpo sem forças? Eu não acho mais você. O que acontece? Em quais lugares vocês para? Quais são as pernas que vem andando por você? Você não é assim, quem te conhece sabe.  Empurre esse fingimento, jogue-os aos abismos para que eles se deparem com seus monstros, espante esses monstros, eles não são seus, pare de se cobrar tanto. Os faça se deparar com suas doces flores de dúvidas sutis, na qual eles pisam em cima. Atire-os do alto e com isso, jogue todo esse peso que causa dor nos seus ombros, na sua coluna, na sua cabeça, no seu estômago; que te condena; que não faz sentido, que te leva a onde você não deseja estar. Pare de se odiar. Não puna seu corpo e alma afundando-os na lama, sufocando-os, por se deixar levar pelo que você despreza. A ética sempre foi sua autoridade máxima, a sua responsável na vida, a mande se foder de vez em quando, mas não esqueça de como ela orienta sua vida, para ser ética, não precisa ser moralista. Eu sei das suas tristezas profundas, e é muito compreensível que elas rodem sua vida. Esse mundo é cão demais pra você menina, que gosta de brincar descalça. Você, de tão doce, de tão madura, perdeu todos os jogos. Chora baixo por não saber lidar com as pessoas.  Não precisa mais se machucar por isso, você veio ao mundo como perdedora e isso te torna profundamente mágica. Veio fazer fracassos e vergonhas e isso a torna linda. Você nunca soube disputar com seus concorrentes. Olha que sorte! Tome as rédeas, moça, você é cheia de coragem, você sempre foi toda dona de si.  Você que desde cedo aprendeu a protestar  silenciosamente;  que sempre foi violentamente desobediente, apenas por decidir seguir seus próprios caminhos e se entregar ao seu próprio mundo. Não se diminua, não acredite que você precisa ser outra coisa, você sempre se sentiu agredida por qualquer pessoas que questionasse sua autenticidade, sua forma de estar presente nesse mundo. Você nunca foi de baixar cabeça, você odeia ordens. Você manda todo mundo se foder há anos, sem precisar falar isso. Você ama a vergonha que terceiros tem de você, porque sente orgulho por quem você é.   Vomite toda essa dor, toda essa hipocrisia, toda essa raiva. Vomite na cara, você foi feita pro que é de verdade, você sempre trouxe para os lugares as formas mais estranhas e ingênuas do amor. Levanta da cama logo, vem voar comigo, vem ser o que você quiser, vem lembrar comigo que sua liberdade foi sempre a tua cabeça desconectada pra se blindar das sujeiras do mundo. Esse mundo seu, não te faz sair do real, ele só te faz feliz. Lá tem seus princípios, suas formas de afeto, sua forma de ser. Vem menina, que essa vida é coisa linda, que é grande pra se viver, esse mundo não é bola redonda, ele é de se perder de vista no horizonte, com muitas estradas pra você conhecer e com um passo após o outro, no chão batido de terra, um longa estrada você tem para caminhar. Vem voar comigo. Vem. Quero te falar sobre onde a liberdade faz morada. Menina, o mundo precisa de você, e eu também. Faça seus próprios rumos. Levante e desde já fique sabendo que você é sua própria ressaca.



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segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Uma jovem qualquer.

Uma jovem qualquer.

Uma repulsa que passava pelo arrepio que poucos corpos sentem. Ânsia de calafrio, vômito de inércia, ansiedade na ponta dos dedos, consciência corporal que só existe nas sensações que não compreendemos.  E um grito de dor arranhando as cordas vocais, que no estômago habita como raiva e causa aflição.
Certa vez, uma jovem mulher passou pela minha vida, e desapareceu logo depois, era uma jovem qualquer. Essa jovem tinha formigamento só em viver, ou a vida se assustava e tendo que habitá-la se sentia confusa.  A marginalidade dos sentidos que se calam com a boca e dizem coisas com o suor. E como ela soa, soa sozinha, nos cantos que se encontra na discrição ela soa, e sorri, como um desaforo sem pretensão, mas com doses de provocação.
No céu tem uma lua, a dança das pipas, uns pássaros, uns desenhos e lá estava ela. Aquela silhueta na rua, como se fizesse parte daquele cenário, de pés no chão caminhava descalça sobre o asfalto, quente, cinza, duro, sem uma púnica flor, embora parecesse flutuar e transformar o que é árido, em uma imagem leve, mas muito excitante por ser ao mesmo tempo muito selvagem. 
Nessa infinitude, a vida se torna o limite entre o tudo e o nada, o tempo inteiro, em cada minuto do ponteiro grande que não se sabe se está funcionando. É ao mesmo tempo a melhor a pior coisa que não se pode possuir.
Observo seus olhos, porque não sou capaz de chegar ao seu olhar. São olhos são tristes, mortos, distantes, mas profundamente belos, como se pudesse olhar sempre algo  mais do que o resto das pessoas, um pequeno detalhe, um pequeno nada do dia a dia, como se qualquer coisa os despertasse, mas nada chegasse até suas vistas, algo intenso, mas em um lugar paralelo.
Um olhar que atrai sem perceber outros olhares enquanto olha pra si, ou enquanto observa o vento e os ocupa em sorrir para tudo que descobre na normalidade.  Bastante assustador, o quanto se apaixona pelo vazio, mais do que se apaixona por qualquer pessoa que a deseja, e isso causa um estranhamento, mas que não soa como arrogância.
Ama aquilo que não existe, e é assim, as pessoas que se aproximam dela não se conformam com um ser pode ser tão cheio de nada, embora seja tempo todo muito, seja o que há de mais pueril e mais ventania, tudo ao mesmo tempo, tudo se contrapondo e se completando, é coexistência demais para aquelas cabeças.
Transferem seus traumas aquela figura tão fortemente frágil. Entediam-se rápido, mas é claro, que ela não se liga, nem se preocupa, nem percebe, apenas ama as pessoas, de uma forma quase catastrófica, e então começa a se sentir sufocada.
Saí pelas ruas sem destino, tem às vezes a sensação que os seus desenganos pelos lugares que percorre a completam mais do que qualquer outra coisa em sua vida. Como se sua própria vida, já fosse o que é impossível de se encontrar, como uma caminhada fadada a chegar a lugar nenhum.
Sua cabeça gira. Observa a sujeira da cidade.  Sente que toda sujeira que existe, e que ela não suporta olhar, e que martela durante dias na sua cabeça, é a tua própria condição de existência nesse mundo. O asco é concreto na rejeição do corpo, mas é na abstração, é vagando nas idéias, que ele a enjoa e a atordoa, até ela se sentir como a própria sujeira a ponto de tocá-la, como se toca algo qualquer, e só assim se sente liberta...  nessas horas volta a ser selvagem e desafiadora, ela se torna sua maior fonte de prazer, é suja e ama ser ou estar assim.
Volta a ter certeza de que é capaz de amar de forma incondicional. Mas logo em seguida, se depara com a realidade escancarada e se lembra que precisa lidar com as pessoas. Pensa que a alma das pessoas é amável e desprezível e por isso ela tem relações de dependência e um desejo visceral de estar só, como precisasse se convencer de que se basta, embora talvez, se baste demais, na verdade.
Sabe que a solidão no fundo é aparência, é risada de desespero, como uma criança que dá uma gargalhada forçada para fazer parte de algo em algum momento. É fuga de se deparar consigo, é saber que é quebra da rotina, que é se desafiar, é exercício, é ta sempre sentindo o fantasma do incômodo.  É sobre não expor as fragilidades.  Acredita que a vida é um palco, onde nunca estamos preparados para as cortinas abertas, embora estejamos atuando a todo momento, ela brinca de como a fantasia, que poderia ser algo lúdico, é também o mais cru, é o que representa mais as pessoas, talvez a realidade, seja composta por vidas, todas elas, de fantasia.  
As pessoas são como os pássaros para ela, como se ela fosse a semente que não os deixa morrer, mas que as vê voar. Ela está em todos os lugares e em lugar algum, como algo fundamental, mas esquecível. Talvez essa jovem e tão jovem, seja a coisa mais sutil produzida por nós, de carne e osso. Gosta disso, pois ela é como o silêncio, que ninguém dá atenção, mas que transforma a vida das pessoas, quando elas decidem escutar o que ele nos sussurra.
Vagam nos seus pensamentos, que não são de fazer barulho, a sujeira da cidade, pela qual se assemelha e se confunde pela falta de sentido de ambas. Não há quem admita quanta perversidade e sujeira tem morada em um cantinho nosso. Ela sabe e não esconde, é escandaloso como pode ser tão crua, embora nos pensamentos, até se pareça com nós, com pessoas comuns.
Também não suporta os seus próprios, essa coisa do prazer escondido no que há de mais obscuro e cruel também a enlouquece, mesmo que se olhe pra ela, como se ela fosse a materialidade de um delírio.
Esses pensamentos ficam guardados e escondidos a sete chaves, vagam entre a repartição da repressão e da auto destruição que existe na nossa cabeça, não é um lugar lá muito livre e também cheio de sofrimentos.
Contraditoriamente, é por essa área ai, que ela percebe o quanto é amada, e se dá conta do quanto isso é insuportável para si mesma e nessas horas fica um tempo sem aparecer. Aqueles lugares velados berram e o tom machuca a todos fisicamente.
Fico sem ela. Ninguém fala nada, porque a língua existe, e é a responsável por ninguém te descobrir de forma invasiva. Ao menos isso.  Porque quantas vezes por dia somos invadidas na vida, nos sonhos, no corpo.  Quantas vezes a porta desta invasão já está aberta pra que possamos brincar de olhar o humano com vistas sonsas, de buscar o desajeito, os erros, rindo do embrulho que dá na barriga do outro, enquanto isso ao invés de ser prazer, se parece mais uma sensação de beliscões ou uma cólica forte. Não sei se a origem da raiva está nas unhas ou na humanidade.  Não é suportável pensar sem ela por perto. Ela não vem, e na verdade, eu tenho dúvidas, se de fato ela no real exista, ou se ela apenas se foi mesmo.
É uma jovem qualquer, sem lei, sem ética, sem rumo. Sua imagem não aparece no reflexo do espelho. É como a vida, as solidão, as confusões, ela é tudo e nada. Enquanto olhos fecham e adormecem depois de uma gozada, ela goza com seus próprios olhos e não existe ninguém que a toque e suporte algo assim. E assim, ela segue só, em uma diversão quase maliciosa, mas sensível pelos que tem a sorte de traçar com ela.
Seus passos só conseguem seguir, se estiverem pendurados no abismo, eles deixam marcas, invisíveis, mas que é possível sentir por onde passou. É a vida no limite. Ela é toda preenchida por muitos vazios e um deles, é o meu que segue com ela, embora ela, só siga. Talvez ela precise ainda passar por muitos pássaros, onde ao mesmo tempo em que ela é o próprio alimento, os deixa voar. Admira o voo, sente as vezes, uma leve nostalgia como uma rápida brisa que os faz bater asas. Ela não deseja libertar ninguém.
É abrigo sem ser gaiola. Enquanto eu estou aqui, neste exato momento, completamente apaixonada por ela, me sinto capaz de odiá-la. 
É apenas uma jovem qualquer.

sábado, 27 de agosto de 2016

Não recomendado





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Não recomendado


Mantinha um sorriso distraído pelas ruas, e quando percebia, passava então a rir de si mesmo. Um tímido sorriso, onde sua intensidade não significava desespero. Talvez um exagero na dificuldade em se manter conectado com a realidade, como se além da cama, seus sonhos seguissem até às ruas, e nesta dúvida, sem saber o que é imaginação, se perdesse nas ruas e passasse do ponto, só por esquecer que no mundo real o tempo existe e o sopro da brisa, ironicamente invisível, sacoleja aquele aperto no coração de tristeza, que também não pode se visto e portanto não é possível  saber se o que se sente existe. É o tempo todo desconfiança, o olhar ao redor, paredes, calor, barulho de trem, pessoas. Pessoas estranham aquele seu sorriso para o vazio, a contemplação inevitável do inútil. Como o nada poderia completar um ser de uma forma a preencher cada espaço de si? Corpos machucados, corpos duros, corpos pronto para atacar, prontos pra resistir, corpos mecânicos, que sacodem nos transportes, que dormem exaustos, que gritam, que deprimem, corpos que se comunicam por si só. O que a distração nos prepara, é como uma onda sem drogas que nunca passa, então ela simplesmente o engole, como se ele estivesse completamente sozinho na praia e ficasse imerso na água, depois arremessado várias vezes, virando de cabeça pra baixo, ralando na areia, enquanto entra água no nariz... mas não é tão desesperador assim, em alguns segundos, ela volta. E nesse ciclo nenhum dos dois consegue sair por mais insuportável que seja para ambos. Que pessoa estranha, penso eu, na dependência tranqüila do caos, no corpo levado, perdido nas camas por que passa, corpo lavado, manipulado, degustado, corpo enxotado, corpo que se esconde, que ta o tempo todo perdido, vagando, se odiando pela leviandade. Ele tem corpo tímido, massacrado diariamente pelo tempo. É um corpo não recomendado, sem tempo para consertos, como pode ser tão tosco? Os corpos que encontra se escondem em casulos, enquanto sua casca desmorona, e voar não é ar, é obrigação. E o sofrimento por vezes ta nas asas, que precisam se mostrar, sem poder naquele pequenino lugar dentro de si, a permissão de sofrer e elas ao invés de bater para longe, ser provedora de um próprio carinho. Corpos fortes e viris, almas dilaceradas. Afirmações, afrontas, desafios, e impotência nas unhas roídas, no tremor quase imperceptível dos corpos. Corpos com tantas dores, embora pareça que só o corpo dele, parece mostrar os bichos em suas feridas abertas, falar sobre si enquanto está completamente estático, alheio, sem medos. É colocar a própria rejeição pra jogo, enquanto desce o ardor de uma cachaça e se sentir pleno se souber se virar com isto, virar agulha no palheiro. O corpo dele não é desse mundo, é diferente, parece que carrega tudo que é impróprio, condenável, desajeitado e errôneo. O mundo não está preparado para ver esse corpo nu, embora ele insista em se despir na cama e na rua, e embora seja a representação mais lúcida e crua da liberdade, é um corpo que está sob a linha da angústia e do desconforto o tempo inteiro, a ponto de isso ser percebido pelo cheio que exala. É como um corpo que carrega o desespero que está presente no que há de mais literal do cotidiano. Ao seu redor os corpos tão medicalizados; corpos excitados pelo imediato; cheio de performances vazias e inseguras; corpos que sofrem sem parecer. Ele é o único que está são, porque seus pés, já não pisam em um chão real e sua cabeça não pensa coisas práticas e seu coração dói as vezes e o corpo dele se permite  tudo, e não quer mais se punir, nem produzir, nem deitar nas camas, nem ser conduzido por aí, é corpo que vai a exaustão por sua própria existência. É um corpo revolucionário, pois transgride os sentimentos mais dolorosos quando sai as ruas a expor-los, ele é insuportável a qualquer um ao seu redor. Ele descobriu recentemente, que corpos são muito mais feitos de traumas, do que de carne e osso. Ele foi se permitindo com o tempo que seus olhos chorassem e sua história corresse como um rio, em você se senta beira para contemplar... e o deixa fluir, levando o que já não é mais para estar. Em cada lágrima vai embora uma dor. O corpo dele é irresistivelmente desprezível,  aprendeu de uma vez por todas, na alma e na anatomia, o que significa amor próprio. A raridade deste ser vai destoando e as vezes não se sabe se ele existe, se é louco ou se é mesmo um corpo.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

O varredor de ruas

O varredor de ruas


De repente a rotina te dá uma rasteira e te faz novamente lembrar do chão. Lembrar de um lugar cheio de símbolos, onde os pés pisam e as vistas distraídas os fazem cair. Folhas, muitas folhas. As que voam nos lugares mais altos com segurança, que dançam livres presas as raízes. Mas terminam debaixo dos pés dos que não podem ou não sabem ou não querem dançar. Param de baixo dos pés mais nobres e dos pés mais pobres. Dos pés pequeninos, que dão os primeiros passos romanticamente forçados e dos pés senis. Pés dos sapatos de grife e dos pés calejados. Dos pés envergonhados por seus sorrisos de rachadura. Pés que tocam a terra por costume, por prazer, por ser assim. Pés que tocam o asfalto por necessidade. E lá estão as folhas. Folhas e a pena do pombo, aquele que morreu recentemente na avenida ou daquele que querem matar nos botecos. Pode ser pombo que comeu a pipoca da praça e espantou-se pela corrida inocente das crianças repreendidas pelos pais. Folhas e muitos canudos. Dos que te alimentam no seu estado vegetativo, vivo ou morto. Mais folhas. E caixas de remédio, talvez dos que te façam dormir ou que insistam pra que você acorde. Talvez aquelas caixas de propaganda do prefeito do interior. Caixas de remédio que te prenderam no manicômio, aquele lugar histérico que não te escuta. Talvez as caixas do conhecimento popular urbano, dos princípios passivos. A caixa que é placebo e veneno, aquela do acesso sem saber moral. O caminho tem mais folhas. Folhas e cotonete. Os cotonetes descartados  são como um ensaio sobre os ouvidos surdos. É a arte mais ralé da cidade. É lixo. Cera dos zumbidos, sujeira do dia-a-dia. Tropeço inusitado dos ouvidos. No fim do caminho, folhas. Folhas e uma nota fiscal. Aquela que cobra a sua culpa e vende sua juventude. O pedaço de papel. O papel é talvez, a maior dor contemporânea de nossa sociedade. Papel de números tem perversidade. Possuem todas as malicias do mundo em forma de traços. É astuta. Te injeta desejo e fome. Te condiciona, te aprisiona e depois te mata. O papel da rua te dá dignidade, história e honra. O papel da rua te engambela, te conta história e é criativo também. A nota te seleciona e te barra. Ela decide quem entra, ainda que você tenha lá os seus papéis. Ela determina onde esses outros papéis entrarão. Ela te massacra e te dá o pódio. Não há vida sem essa nota fiscal do chão, no fim do caminho. Ela te enlouquecerá, pois com ou sem pano, ela é capaz de te amordaçar. O papel sai daquele banco de todas as esquinas que você pode sentar. A vassoura era um pouco torta, tinha pêlos marrons que começavam de um lado pequenos e terminavam maiores na outra ponta. O velho tinha uma cabeça branca, totalmente branca, parecia totalmente velho. A pá era lata cortada de forma diagonal. Era como se fosse um quarteirão pequeno para frente e lá de trás ele começava. Vassouradas curtas, mas firmes. Aos poucos dava paras pequenas folhas pisoteadas um novo lugar. Umas por umas. Varria alguma coisa e o meu relapso. Varria o meu olhar distante. Varria meus desejos pro lixo. Meu nó na garganta pro lixo. Tava varrendo o que não existia. Era isso! Varria pra lata o que não havia. Jogava pra algum lugar o nosso não existir. Ninguém o percebia. Era como um doce fantasma que nos assombra nas escolhas difíceis. Com aquele passo miúdo que avançava e com as mãos duras, sujas e doces fazia eu sentir meu coração. Órgão com corpo. Varria entre o canto do paralelepípedo e o asfalto, em um canal que faz as veias saltarem quando brocham. Se o bueiro da cidade não encher na próxima chuva, eu juro que o culpo por não me afogar. As baratas passam por cima das folhas. E alçam pequenos vôos. Ela pousa no varredor de ruas. Ele a expulsa com naturalidade. Porque sujo mesmo, é esse terreno cheio de folhas, que você finge ser quintal da cidade podre que você mora e a que mora em você. Sem expectativas, caso tenha vindo ao mundo pra brincar. Do contrário, segue sua vida e esqueça o chão, porque ele é concreto, mas para os vencedores, é também precipício. Quando me assaltarem a fala, não esqueçam de deixar aquele primeiro toque quente do prazer.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

DOIS COPOS DE CACHAÇA

DOIS COPOS DE CACHAÇA.






Marcos chorava baixo no quarto. Chovia leve. Ele colocou as mãos pra fora, mas os pingos de chuva, não mais o faziam sorri, abrir os braços e girar. Era só chuva, que no máximo, dava uma refrescada naquela noite quente e solitária. A luz ia e vinha e então mais ele chorava. Não era medo do escuro, era que a escuridão se parecia tanto com seu corpo, que tinha medo de ir embora junto da luz, quando ela reascendesse. Marcos se lembrava de Paulo que sabia que jamais estaria sozinho. Ele se tocava como se fosse sempre insaciável e não entendia se dor e prazer são sentimentos capazes de se confundir de forma que faça bem a algum ser humano. Lembrava do sexo, com Paulo, que tinha tantos outros homens e tantas outras mulheres. O sexo deles também era feito de dor, de choro no canto do olho, era feito de toques em corpos desconhecidos, era feito de amor, e de vez em quando de gozo físico, pontualmente de gozo, onde a alma geme e o corpo contrai. Paulo acha que sabe o que é solidão, na verdade, acha possível conhecer a solidão de Marcos. Marcos sente raiva por isso, no fundo, sabe que ninguém é capaz de entender de onde vem sua dor, pois ele próprio desconhece. Desconhece o que acontece com aquele corpo que tá agora com os braços apertando as pernas no canto da parede, buscando por alguém que ele não quer ao seu lado, não neste momento, dentro dessas condições patéticas que ele se coloca. Marcos sente raiva pela felicidade e bondade de Paulo. No fundo, por prepotência ou por suas investigações da existência, sabe que Paulo só é tão bom, porque têm que veja todas suas demonstrações de bondade. E a felicidade é aquela coisa meio deprimente que parece mais uma sarna crônica. Marcos então tem acessos de desprezo por si, pelo que falta ou pelo que não gosta e mentalmente ataca a todas as pessoas ao seu redor. Marcos quer gritar, mas acha demasiado sintoma histérico incomodar os vizinhos. Já teve que passar o dia, escutando duas vizinhas chorar compulsivamente, uma porque queimou o bolo e outra porque o filhote tá no mundo das drogas. Se sente mal, por seus pensamentos perversos. Depois pensa o que significa o choro das mulheres. Tem compaixão. É claro, que ambas não precisam disso. Talvez a melhor qualidade do Marcos seja dimensionar e discorrer sobre sua insignificância. Convenhamos, é pra poucos. Conforme Marcos vai se percebendo idiota, vai sorrindo e sofrendo. Pensa em Paulo, que deve tá na cama com outra pessoa agora. É incapaz de sentir ciúmes, sua mente por este momento consegue ser fria, nesse jogo de crueldade pontual. Mas no fundo tem uma inveja, daquele filho da puta, que acha que sabe o que é solidão. O conceito do imbecil é baseado em um desses filmes de primeiro amor da sessão da tarde, onde ele consegue tirar reflexões muito profundas. Marcos pensa que não gostaria de estar nos braços de Paulo escutando consolo barato. Aliás, isso é algo que o irrita muito, não entende porque as pessoas quando o vem triste, simplesmente não calam a boca. As pessoas precisam entender que todos os conselhos do mundo já foram dados e são repetidos. É uma receita de bolo azedo, um bolo, que não é desses sem graça, é bolo de festa confeitado, mas azedo, batido, bonito por fora e impossível de tragar por dentro. Marcos gostaria de falar coisas para o mundo, dentre elas, parem de ditar regras pra gente triste, não ajuda.  Ajudar gente triste, é tipo milagre de Jesus, é bom que tenha gente por perto pra ver, do contrário você só vai se irritar vendo que suas regras não são cumpridas nem de mão dada. Paulo é desse tipo, tem receita pra tudo, até porque, supera todos os problemas da vida. Marcos acha que sua mente é doentia e tem medo de si mesmo, o que é a pior coisa que alguém pode sentir. Marcos às vezes se cansa dele e das outras pessoas, escutá-las faz o querer arranhar as paredes, então de forma constrangedora sua cabeça voa e olhando pra alguém que ele não quer que se sinta desamparado, faz confirmações toscas com a cabeça. Marcos odeia não ter interesse pelos outros, odeia se sentir enjoado com as palavras que ouve. Marcos às vezes tem vontade de dar um murro no lindo nariz de Paulo. Marcos odeia se olhar no espelho. Sua segunda maior qualidade é conseguir se enxergar no insuportável. Isso é pra quase nenhum. Marcos decide ligar pra Paulo.
Marcos: Alô
Paulo: e ai
Marcos: Tá com alguém?
Paulo: Não, to sozinho, acabei de assistir um filme que você vai adorar.
Marcos: Que legal! Sobre o que é?
Paulo: Sobre a solidão dos tempos modernos. Assisti e agora to aqui contemplando.
Marcos: quer vir aqui pra casa?
Paulo: tem que ser hoje? Queria ficar um pouco sozinho.
Silêncio
Paulo: Tudo bem, estou indo.
Marcos toma dois copos de cachaça e espera Paulo. Completamente nu. Vai foder até que alguém goze. Com raiva ou no vocabulário do sexo: com vontade. Provavelmente vai se machucar. O álcool é pra não desistir, ainda precisa entender de forma mais sensitiva sobre prazer, dor e solidão.

Paulo convida Marcos pra assistir Ninfomaníaca com ele na semana que vem. Marcos ri e tem a sensação passageira de que é amado. Na semana que vem ou até no outro dia quando acordar e receber os carinhos de Paulo... estará melhor.


Paulo, talvez seja bom sem que o observem e sozinho no meio da multidão de suas trepadas e pessoas. Marcos um arrogante inseguro e cheio de verme na cabeça e no coração no meio da solidão. Talvez eles não sejam nada. Quem sabe, sequer existam.