domingo, 17 de dezembro de 2017

A felicidade é azul e tem 50 anos.

A felicidade é azul e tem 50 anos.


Eu não tenho muitos amigos na casa dos 50, nunca imaginei ser bem aceita nesse círculo de pessoas tão vividas, com tantas histórias para contar, embora adore escutar histórias. Mas tenho uma amiga especial com essa idade. Ela odeia e eu que não ligava, de tanto ela odiar passei até achar charmoso. Cinqüenta é tão redondo, por isso ela deve odiar, embora não seja redonda. Ela me diz que é porque ainda não cheguei lá. Eu faço cara feia, debocho e retruco. Mas cedo na cozinha quando estávamos com uma amiga mais nova, elas conversavam sobre cabelos brancos e eu vou logo dizendo que não ligo, então elas dizem de novo: “é porque você não tem”. Eu faço cara feia, debocho e retruco e respondo: “mas quando vocês tinham minha idade ligavam para coisas que eu não ligo.” e elas concordaram. Ah, esqueci de dizer que eu ainda não cheguei aos trinta e tento provar que isso não importa, a não ser quando o tempo diz que eu tenho que ser tudo que eu ainda não sou ou não quero ser.Em casa, ela cozinha e eu escrevo, como se juntas fossemos aprendizes de Cora.  Escrevo tomando o café que ela passou e brinco que é uma combinação para entrar no clima de sua idade. Ela fica brava, mesmo nossas idades sendo invertidas. Ela diz que eu amo a inércia, enquanto ela não para um minuto. Ela quer tudo da maneira mais concreta possível e eu quero um tempo que nem existe. Hoje, enquanto jogávamos conversa ao vento, ela foi insuperável. Conversávamos e ela disse que agora só topa um relacionamento com alguém que beije bem, que invista no beijo. Rimos muito. Aos 50, o que se quer, é um bom beijo. Ela diz que os homens e mulheres que passaram por mais tempo em sua vida beijavam muito mal. Nós temos percepções de mundo muito diferentes. Minha amiga tem um sorriso malicioso de canto de boca, eu um sorriso sem graça. Minha amiga é sexual, vibra, tem olhos atentos o tempo inteiro. Tudo é material para ela, se importa com o seu e o corpo do outro, repara em detalhes, se importa com os cheiros e classifica beijos. Eu sou do campo oposto, nada é ruim ou bom, é o encantamento pelo outro que vai construir as coisas, então os beijos são inclassificáveis e qualquer detalhe imperceptível, o corpo não existe como corpo, existe como gente. Temos sedes de viver radicalmente diferentes. Ela me diz que odeia os 50, porque os olhos que tem meu tempo de vida, já não mais repousam sobre ela. Os olhos com meus anos de vida juram com boca e corpo que a observam. Mas tem coisa que é da nossa cabeça mesmo, não importa a idade das bocas que falam ou que as beije. Nesse mundo machista, ela diz que toda essa questão é mais simples para os homens, e eu concordo e discordo, acho e não acho, porque é e não é. Tem gente em volta que diz que na nossa forma somos muito parecidas, há quem jure que não há semelhança , eu acho que é um encontro que se equilibra no desequilíbrio. Minha amiga tem carta, lembrança, tem tudo preparado, é uma maré de sentimentos intensos, impecável pensando no outro. Enquanto eu sou uma maré de desastres e de avoamentos. Sempre que conversamos sobre nossas relações é um papo mais ou menos assim: ela diz: “-mas você nunca sentiu isso na vida?” e eu respondo: “-óbvio que não”. E as vezes eu escuto suas histórias, outras não tenho paciência, porque é um histórico enorme e as vezes ela com aquele sorriso maledicente ri e não conta nada. Essa amiga me ensinou, que eu posso até ser bem aceita nos círculos das pessoas que chegaram na casa dos 50, ela não se convence que o inverso pode acontecer. Ela sofre e diz pra eu aproveitar a juventude, eu rio e digo que tempo não tem nada a ver com sentir. Ela me manda pra rua, enquanto eu repouso em mim. Mas tem alguma coisa que nos fez tão amigas, algo em comum. Acho que é a nossa idéia comum de que assuntamos as pessoas, ainda que de maneira distinta, nós atravessamos os encontros que temos pela vida. Minha amiga tem 50, mas o prazer de uma rede, um papel, e um café são meus. Ela pulsa pra fora, eu pulso pra dentro. Ela é enorme, eu pequenina. Tenho a sensação de que ela pode coordenar multidões, enquanto eu mal me coordeno. Ela é tão poderosa, que soa patética suas crises de tempo. Eu adoro que ela seja meu maior personagem. Adoro estar feliz, e felicidade é assim, azul e tem 50 anos, no fim de tarde, ela é laranja e perdeu o tempo no entardecer. 

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Quando a ressaca do mar chega.

Quando a ressaca do mar chega.

Minha cabeça doía a ponto de eu não conseguir abrir meus olhos. Mas eu sabia que era conseqüência.  Que se arrasta mesmo quando aquela gostosa sensação já passou.
Meus pés firmaram o chão, os dedos sentiram a terra e eu pude andar correndo sobre pequenas pedras que não incomodavam minha pele, porque eu era extensão do que eu tocava.
É aquela sensação de ver a vida miúda, enquanto estou em plena expansão. Como se o corpo nem importasse mais, porque nenhum limite é material o suficiente para frear o deboche que me dominou e que me faz rir da vida, me faz senti-la como um sopro que carrega qualquer dor.
A alegria pulsa nos meus centímetros. Nada é assim tão importante, e aquela saudade que apertava e era incontrolável vai aos poucos sumindo; aquilo que era tudo evapora; aquele nó que não se desfazia se desenrola até as pontas das cordas não se enxergarem mais. Nem mais, nem menos, nem movimento algum, aquilo que eu tanto queria experimentar e não importa mais.
Desencontros insuportáveis, encontros pouco prováveis. E tudo segue acontecendo. E naquele momento eu podia viver tudo no lugar cego onde mora o prazer. Uma sombra sem hipocrisia, só sombra, que vaga e sente vaga e fica. E tinha o desejo que todo o resto assim  fosse e se poupasse do dever de carregar suas correntes invisíveis.
Mas o que seríamos sem ela? O vazio não me assustava naquela hora, era a maior fonte de preenchimento de mim até eu explodir de mim, era eu em minha face mais crua.

O barco segue navegando de forma tranquila nesses momentos, onde as ondas brincam de baixo da superfície, sem terem que ser ondas... Até chegar a ressaca do mar e proibir a brincadeira! E me jogar contra as pedras. Agora, que aqueles segundos passaram tudo dói. É conseqüência, ela sempre vem. Tenho o corpo cheio de pecados. 

domingo, 3 de setembro de 2017

Bia sem vírgula.

Bia sem vírgula.

A jovem Beatriz caminhava na 1º de setembro da mesma forma de sempre seus pés são raízes capazes de cravar o solo enquanto sua cabeça faz rodopios pouco perigosos pelo ar. Bia mesmo sendo tão nova é servidora pública e tem uma vida financeira estável ao ponto de ser uma tarefa difícil compreender como aqueles olhos - grandes pretos que ora são capazes de despir seu interior ora estão perdidos transpassam mundos estão apáticos inertes meio sem vida com vontades mirando horizontes mortos- conseguem se alinhar ao pragmatismo da produção que não fecha nunca e escorre para todos os cantos de nossa vida percorrendo o corpo e massacrando a vida que habita na cabeça. Bia tinha dias de melancolia e dias de solidão e na sua corrente sanguínea corria uma doença chamada impulso. Essa doença dividia opinião dos estudiosos tinha um grupo que buscava a qualquer custo a cura deste mal havia muito investimento do governo junto a umas parecerias bastante duvidosas para financiamento de pesquisas e estudos sobre a mesma por outro lado os egoístas sem conhecimentos específicos ou científicos que colocavam tudo aquilo em relativo diziam que não deve existir fórmula para se curar a dor daquela coisa. Mas não se tratava apenas de Bia a maioria de seus amigos sofriam daquela enfermidade também. Os corpos infectados por aquele mal estavam em risco durante um tempo incalculável e imprevisível vagavam em um lugar vazio frio e escuro arrastando correntes pesadas gritavam sem que ninguém fosse capaz de escutar ...

Um dia Bia começou a sair com um cara que era a representação máxima dos seus não quereres e conforme saíam mais ela se apaixonava mais o seu sentido desaparecia mais envolvida ela estava. Suas raízes foram cortadas e era ele que andava com seus pés o sangue que escorria parecia aliviar as dores da impulso e ela se sentia feliz por isso mas no lugar das dores viam umas dúvidas que não se deixavam calar e pareciam coceira no cérebro. A coceira por sua vez parecia que fazia os sintomas da impulso saltarem pelo corpo e logo em seguida vinha uma tristeza devastadora como um deserto rasgado de um sentimento árido que fazia a boca secar salgar e fazer sair areia por todos os orifícios do corpo. Bia queria se entregar ao linear da vida segura plena que a fizesse bailar leve como uma brisa deslizar dançando rodopiar com o corpo livre em pedaços que flutuam como delicadas penas no ar.

O que poucos sabiam é que Bia secretamente fazia coisas pensava planejava pulsava explodia pelos cantos da cidade e queria como uma ansiedade na espera de uma chegada deixar a vida plena e poder fazer tudo que era ela se experimentar ao limite conhecer tudo que tem em si tudo! Não é que não haja algum prazer no pragmatismo da produção e na relação com o avesso - se ela está alguma coisa tem - mas é que ela não está ali mas quanto menos ela está mais medo mais temor que a doença se agrave e ela termine em estado grave ou nem mais aqui.

Essa maldita doença estava a ponto de enlouquecer a cabeça de Bia era uma doença ardilosa escorregadia contraditória com sabor de perfume ácido se Bia caminhava pisando nos passos que já estavam no chão no tamanho do seu pé pro caminho escolhido sentia que os sintomas se acalmavam e seu coração conseguia não correr por sua garganta mas conforme caminhava um passo de cada vez pra lugar nenhum e seus pés não se ligavam a sua cabeça seu corpo esquentava sua nuca pegava fogo o corpo contraia as pernas tremiam não tinha mais controle algum sobre si e era a hora que a patologia se manifestava com em sua face mais voraz e embora se assustasse com aquilo queria rasgar seu corpo com as mãos e que toda a luz do mundo pudesse engoli-la para que então ela pudesse sugar o mundo com uma respiração e sua alma ficar dormente de prazer. Mas Bia logo depois via o tamanho da estupidez de se caminhar ao precipício sabia que a ciência a cada dia avançava e fazia novas descobertas que eram colocadas em cápsulas.

A doença se tornou uma epidemia e os remédios eram distribuídos em campanhas de vacinação por toda a cidade. Beatriz chorava uma tempestade de gotas grossas que doíam para cair de seus olhos e não conseguia parar de pensar na cura tinha um desejo insaciável de se sentir amada, como um machucado que não se deixa cicatrizar no entanto era preciso que alguém o costurasse amarrasse suas mãos para não deixar coçar era necessário matar tudo que tinha naquele machucado. Beatriz está agora em um lugar fundo e tampado como se tivesse sido engolida por um buraco finalmente pode estar dentro de algo que é por ela para que ela não tenha que sentir o buraco em sua vida a epidemia está controlada o governo tem sido vitorioso.

Bia não pode mais parar no meio do caminho. Bia fez a vírgula de rede. Talvez seja um princípio de resistência. 

domingo, 30 de abril de 2017

Não, Silvana sou eu.

Não, Silvana sou eu.

-É preciso que se dê um jeito nisso, um fim, se é que você me entende. Depois podemos acertar os detalhes...
A presença dela na esquina do meu condomínio era algo que me incomoda profundamente. Todo dia, ao fazer minha caminhada vespertina, precisava passar por aquele cheiro podre, olhar aquele corpo sujo, unhas e roupas pretas e aquele cabelo desgrenhado cheio de piolhos. Sempre que passava por lá, aquelas pequenas mãos imundas se estendiam, enquanto seus olhos tentavam me convencer de que ela era uma pobre coitada. 
Quando eu passava com bolsa, já tirava minha carteira de couro e abria a repartição menor, onde eu colocava as moedas que me sobraram de troco do meu café com creme da tarde anterior. Em geral, eu jogava as moedas no chão, que fazia com que ela  se afastasse e eu não precisasse ter nenhum contato físico com ela. 
Ela improvisava umas palavras sobre comer e se vestir. As suas roupas eram como trapos, ficavam largas nela e pareciam nunca ter sido lavadas antes. Eu nunca parava para escutá-la, afinal tinha medo que os seguranças se distraíssem e que ela aproveitasse para me atacar. O engraçado, é que as vezes eu tenho a sensação de que só eu a vejo, porque os seguranças ali não fazem nada? Morro de temor dela, por esse monte de porcarias que com certeza ela deve usar.
Silvana decide levantar da cama.
Ahhh! Já ia me esquecendo, hoje é o grande jantar de comemoração da empresa. Tomara que quem venha, não veja aquela maltrapilha dormindo aqui por perto, afinal o que vão pensar, não é mesmo? 
Tenho tantas coisas para fazer, preciso encomendar as bebidas, pedi para que as crianças não exagerem na compra das suas "diversões", eles sempre me dizem que álcool não tem tanta graça. E ainda tem o meu marido, que vai chegar elétrico com aqueles olhos arregalados por causa dos "negócios". Preciso separar o calmante dele logo e aproveitar para tomar o meu mais cedo. E de forma alguma posso esquecer, preciso dar um jeito de tirar aquela drogada daqui da esquina de qualquer maneira.
O telefone toca, o buffet confirma as bebidas, o dinheiro dos crianças tá separado, e a cartela de remédios também. Tudo maravilhoso. Já posso correr para experimentar meu vestido novo que vou usar hoje de noite.
Em cima da cama meu vestido está cheiroso e passado. Na porta, a traste da empregada me observa de cabeça baixa. Peço para que ela se adiante e suma da minha frente. Tenho uma sensação estranha, é como se ela me lembrasse a mendiga, vai ver o motivo, é que são da mesma cor. 
Nesta mesma cama, tem um vestido, gasto de mais pra mim que já o usei umas dez vezes. Preciso me desfazer dele, vou levar para aquela mulher da rua e aproveito para dar um jeito de me desfazer dela também. 
Eu acordo, dessa vez, decido sair de manhã, peço para o motorista me esperar lá fora. Como de costume, evito qualquer contato, jogo o vestido em cima dela e deixo tudo conversado com os seguranças para que ela suma dali, para que em meu retorno ela já tenha desaparecido e para que eu não precise cruzar com ela nunca mais.
Quando volto, vejo o segurança em pé próximo ao portão conversando com uma mulher. Eu reconheço o vestido. Aliás, o vestido destoa naquele corpo mal cuidado e raquítico da mulher que me causa asco. Meu sangue sobe. Não é possível que o segurança não tenha seguido minhas ordens e dado um jeito dar o sumiço nela. 
Eu me aproximo deles para escutar a conversa, e ouço ela dizer:
-É preciso que se dê um jeito nisso, um fim, se é que você me entende. Depois podemos acertar os detalhes...
Ele então responde a ela:
-Claro Dona Silvana, eu concordo com a senhora. Uma mulher como você, não pode conviver com esse tipo.
Pela primeira vez eu vejo os olhos castanhos da pedinte e escuto ela sorrir com canto de boca. E para minha surpresa, ela completa:
-Os empregados das casas já estão com inseticida prontos para matar os ratos.
Eu me desespero. Aquela conversa entre os dois não tem o menor cabimento. Eu devo estar delirando, só pode. Corro para o portão para entrar em casa. Preciso descansar, o estresse está me enlouquecendo. 
No portão o segurança me para e diz: "Se tentar avançar, eu chamo a policia, é melhor ir circulando"
Silvana entra.
Eu seguro as grades e grito "NÃO, SILVANA SOU EU!"





quarta-feira, 19 de abril de 2017

Eu, Ana


Eu, Ana.


Existem muitas Anas nesse mundo, por este motivo acredito que seja possível que as linhas nas quais eu me encontrei, não estivessem falando sobre nós.
Era noite já, e o acaso sem pedir licença, veio abrir feridas e lembranças. Eu não imaginava que me depararia de primeira com aquelas palavras. Foi o maior abuso do improbabilidade com o qual eu me deparei.
E lá estava eu, Ana, em claro, lendo aos poucos algo que me enchia de frio na barriga e arrepiava a minha espinha.
Faz pouco, eu pensava mais uma vez em você, enquanto estava na sala, naquele mesmo lugar que nos conhecemos. Na minha frente uma figura tão tenebrosa quanto aquela que te fez chorar em minha frente, falando coisas que eu preferia nem dar atenção. Mas mesmo ignorando o que ela dizia eu era capaz de sentir o mesmo ar de indignação, quando te encontrei atordoada depois daquela aula. Depois daquele dia, nunca mais aquele espaço foi o mesmo pra mim. Foi você que invocou meu primeiro despertar pelo meu desprezo por tudo aquilo. E é sempre lembrando de ti, que passei a pensar de que forma eu estaria ali.
Depois de tantos anos, essa foi a primeira que te escutei, pelas palavras escritas, em um lugar muito distante.
Para mim é tudo tão embaçado, a minha vida parece que é feita de pequenos lapsos de memória, é como se fosse algo breve, neboluso e confuso, e eu, a própria representação da calmaria que existe em meio ao caos.
Eu lembro que a primeira mulher que amei, essa que você reprovava e eu obviamente não percebia, era também silenciosa. Ela tinha silencio e eu tinha culpa.
No fundo achava -e ainda acho- que não me sinto segura e capaz de fazer com que mulher alguma tenha algum prazer ou que haja uma construção em que eu seja suficiente a completar uma outra mulher.
Esse foi sempre segredo meu, que divido agora com você. Talvez me deixar ser sequestrada tenha sido também mais fácil, mesmo sendo bastante feliz com tal decisão. Além disso, você sabe bem que minha displicencia e boemia fazia com que meus caminhos se tornassem ainda mais fluidos e menos atentos e nada pragmáticos.
Ah como eu gostaria de poder ter escutado. Que fossem seus gemidos do outro lado, ou suas lágrimas ou seus desejos. Eu era apenas uma menina assustada, no apartamento em Recife, azul, com todas as pressões de alguém que ainda está se descobrindo em tudo.
E você com uma bagagem gigante, me trazia tantas novas histórias. Eu tinha do meu lado da cama, uma jovem mulher com tantas vivências que eu não conseguia dimensionar.
Eu não sei o que os meus olhos diziam naquele tempo, apenas lembro que eles não estavam cansados como hoje e por isso se encantavam e brilhavam, com certeza estiveram muitas vezes entusiasmados e desejantes por ti. Mas eu não sei bem.
Tinha sofrimento seu. Muito. E talvez eu não estivesse tão presente por medo de saber que meu colo não seria suficiente.
Um dia os corpos se entrelaçaram, um lindo corpo eu já via, seus olhos, sua covinha, a sua dança estiveram dividindo a mesma cama. Que sorte, que dali não saíram lágrimas. A dor do depois é algo que nos rasga a alma.
Eu dormi. Eu durmo até hoje. E quando posso estar com ela, volto a dormir, como sempre acontece. Fui perdoada pelos meus sonos, ainda sou, fazem parte de mim. Espero que entenda, que me perdoe e que a gota que escorreu por você tenha valido a pena, mesmo sendo apenas no fim das contas alguns minutos de prazer.
Mais que um rosto, te encontro nos devaneios cotidiano. Lembro de ti, quando percebo o meu amor por todas as mulheres que estiveram de alguma forma comigo. Uma história que passou, mas que toca agora todo meu corpo e a minha frágil memória.
Não nos encontramos mais, os escritos fizeram a gentileza de não deixar essa coisa embaraçada desses tempos se perder, que sorte, embora cru e doído, foi uma linda viagem literária de uma realidade completamente alucinada.
Gostaria tanto que tivesse falado...


Com um afeto nostálgico,
Ana.













quarta-feira, 22 de março de 2017

Poeminha punk.

O escritor ao mesmo tempo em que está em seus personagens, não é nenhum deles. Escrita é deboche, é faca de dois gumes.


Os calafrios voltaram a visitar o meu corpo, me causando dor e arrepios. E mesmo com experiência de sobra com este sintoma, ainda alimento a dúvida sobre o que mais me dói, se é senti-lo ou tentar desesperadamente conte-lo. Há quem diga que se escreve melhor quando se está deprimido. Não gosto de alimentar esses fetiches. Faço pior. Ouso a questionar: Há de acumular tanta tristeza e se manter forte e orgulhoso de si? Ninguém sabe sobre os mistérios das contraposições que rondam essa vida. A parte mais inteira de nós, quando se sofre, mas se permanece inteira -admitindo ser possível conseguir não se fragmentar- são as palavras e talvez elas substituam Deus, compram a função social deve e assim evite que se cometa morte contra a própria vida, enquanto gira uma engrenagem que a gente jamais compreenderá. Caso experimente entender, o que o espera é um caminho fadado ao tédio ou da assombrosa loucura. Essa que nos ronda, que nos invade, nos amedronta, que abre nosso crânio com as mãos, rasga nossa pele e nos enfia pesadelos. Onde nasceu o trauma que me tira o chão dos pés? Que me faz deixar cair do corpo tudo que é delicado e eu corajosa e delicadamente desejo tanto segurar. Caio, me arranho, sangro, choro. Vou ser perdoada? Deixei quebrar, deixei sumir, eu to com culpa -merda- sei que deixarei morrer. Meus olhos acordam inchados. Você estava dormindo? Sim,estava. Mentira deslavada. Acostumei. A parte mais gostosa da sua vida não é quando acreditam em suas mentiras, mas quando não creem em sua verdades. E criam mentiras para si mesmas e passam a acreditar nelas. Eu não entendo porque o fazem. Apenas gozo e gozo várias vezes. Afinal quem dedos nas mãos ... Escreve! E se salva, inventa e imagina diálogos que nunca acontecerão, ou não da forma como sua cabeça constrói e alimenta. Mimada, você acha que ninguém é capaz de compreender seu interior -e não são mesmos- mas tão pouco voce consegue fazer o mesmo. Você jura de neurônios juntos que essa mente de ervilha é capaz de adivinhar o outro. O fato é que você sozinha, é só você mesma, antes de sentir o outro. Depois que ele chega, já não se sabe de mais nada. E tua conversa já foi pro buraco. O que existe é só o nada na cabeça que especula. A nossa consciência corporal existe quando sentimos dor pincipalmente, por exemplo, quando você corre, seu coração dispara, sua respiração acelera, voce tem a impressão de que vai morrer e tudo isso é óbvio, previsível e não importa. Mas quando ele aperta ou acelera sem motivo é que voce consegue saber que ele existe de verdade, é quando você presta atenção naquela coisa que se meche e dói e voce não vê e que não foi explicado nas aula de biologia. Voce sente cacos de vidro no sangue. E isso não é seu corpo, é sua cabeça, bobagem da sua cabeça, mas que tá em todo seu corpo, fazendo voce conhecer cada órgão dele. Fazendo voce sentir que as coisas estão vivas dentro de voce, mas só nesse momento, não é mais uma abstração. A nossa cabeça cria dor que deixa a gente assustado. Morte de verdade, de verdade. A gente conversa tomando café. É abstração concreta como cimento e leve como uma pena, a gente zomba e tudo. "vou me despedir com um rápido e dramático desmaio". E a gente inventa piada. E tudo fica livre e engraçado porque não há a tal consciência corporal. Porque nessas horas a gente não lembra do coração. E ai nós jogamos com a vida. Nós que somos blindados com a herança genética do orgulho, sentimos muito poder em jogar. O poder escorre pelos nossos poros. Temos o mundo dançando nas nossas mãos, controle de uma vida onde não existem limites. E eles de fato não existem. Somos capazes de desbravam grandes e pequenos cantos durante horas. Transformar lugares que nunca estivemos, em lugares seguros. Somos completamente livres e completamente solitários. Não fazemos dívidas, não pedimos favores. Somos plenos e livres. Preferimos estar só a estar preso. Esfregamos o corpo na corda que nos aprisiona até ela ruir. Depois voltamos sem corpo, sem palavras e sem alma para que nos aprisionem de novo. Estamos em pânico. Ninguém se escuta. Gritam, se apontam, mutilam com o olhar. Mais pânico. Nossa boca amarga nosso próprio fascismo. Que gosto de fel. Vomito, não como, me escondo. Olhares me rondam de todos os lados. Querem minha cabeça cortada e servida na bandeja. Vão servi-la com máscara. A melhor da vitrine, linda, brilhante, branca, exemplar. Vão devorar meus fios, meus pelos. Eles estão cheios de vermes que saem por sua boca, anus, unhas. Mas todos tem tão boa aparência. Não são os porcos gordos que me devoraram, é algo mais sutil, mais cruel, confuso e totalmente relativo. Em tempo, minha máscara racha, eles, se tornam monstros ainda mais elegantes, simpáticos, doces, compreensivos e belos. Os cacos da máscara foram meu rosto e o sangue que escorre é agora um saboroso vinho, que tomo, enquanto torno suportável eu ser eu. Sou gente de opinião. Autoritária, maledicente e arrogante. Largo os cigarros e as paixões quando desejar. E ponho fogo no mundo se quiser, caso prefira, me queimo com as paixões. E digo não quando quero. E paro se quiser. E vou se tiver com vontade. E coloco tudo a perder agora. E largo um grande foda-se para tudo. Hummm. É uma capital, das grandes, de egoísmo que habita em mim, que saliva minha língua, que me toma as entranhas e se enfia entre as minhas pernas. Deliciosas e molhadas pernas. Quem inventou os sintomas, inventou tudo, todos os nós sempre os tivemos, sem saber seus nomes. Sendo só complexidade do humano. Sendo o humano bicho esquisito. Tá vendo como o ser humano é? Não presta não. Tem jeito não. Você ainda acredita nas pessoas?. Antes era isso, mas agora temos tudo e temos nome pra tudo e temos um mundo desgraçado totalmente dopado. Que grande merda!!! Estamos insistindo no que? Eu. Amo as pessoas. Amo mesmo. Amo muito. Gosto de todos os corpos. Meu estranhamento dura tão pouco. Que na minha frente existem almas, essa almas que amo. Amas que me abraçam sujas, que tem história, que jogam conversa fora, que eu devoro sem compromisso, que estão dispostas a serem cheiradas por mim. Ah! Essas almas querem meu colo, pedacinhos da minha alma. Tirem as mãos de mim, almas penadas. Eu corro, quero fugir, corro muito. Corro para sentir apenas meu coração físico, coração sem cabeça. Até eu estar viva e só. Até o tempo ser horas e mais nada. E apenas isso. Eu admito, não sou boa com jogos. Ultima colocada no jogo da vida. Que criatura insegura e imprestável aparece na minha frente. Se espera o próximo acontecimento, que vai mesmo acontecer e sabemos. E ainda sim nutrimos ansiedade. E de novo, não entendo, não compreendo porra nenhuma. Saiam dos meus órgão. Eu vou sair para lamber cada órgão do medo, pra ele descobrir o que é arrepio de verdade e na hora da foda, enquanto ele estiver estirado e tremulo, serei eu a estar por cima. Não consigo mais lidar com as pessoas. Acho que sou sensível demais para esse mundo!


A faca de dois gumes e o deboche existem para nos salvar da e salvar a e não ser salvadora da humanidade e nem de porra nenhuma. Afinal a salvação nunca existiu. Então sigam agonizando no amargor das suas próprias contradições. Se um dia tiverem opinião na vida, seus coitados, talvez sejam capazes de se perdoar.


Que a escrita esteja sempre conosco. Ela está no meio de nós. Amém.