segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Bom dia.

Bom dia. Você ainda não é acostumado com as minhas crises passionais pré-aniversário, esteja então apresentado amor. O tempo tava nublado e se alinhava com uma tristeza inconsciente, que bom que tu existe pra resgatar a minha energia, que de vez em quando, fica perdida em algum lugar no fundo de mim. Nosso espontaneísmo sempre nos prega grandes peças. Será que viajar seria mesmo uma decisão acertada? Bom, na verdade olhando pra gente, pra casa, pra vida, definitivamente nosso vínculo com planejamento ta longe de ser algo que tenha gosto de firmeza. Fomos, e eu sabia que aquele podia ser um desejo seu, mas antes era uma forma de me ver feliz também. Chegando perto, previsões trágicas de quem descia a serra, tiroteio, lugarejo de baixo d’água e na nossa frente um chuvisco mirado para o imprevisível. Lá a gente oscilava entre o conforto e o nosso espírito torto. Em seus olhos era possível ver um pouco de angústia de um anseio que as coisas pudessem dar certo...foi em vão é claro, assim como o começo de nossa história que tem os melhores momentos na curva, que não segue sobre retas. Nos entregamos a gente, a nosso jeito, decidindo pela barraca e antes que terminássemos de nos ajeitar, raios de luz. Um sol bonito apareceu, pra dizer: “olhem como vocês são iluminados”, nesse momento os olhos que tem gosto em ser ingênuos se misturavam com o brilhar do dia. Foi um tempo rápido, mas que parecia se multiplicar de felicidade, não com momentos extra-ordinários, só pelas nuvens que deram trégua, pro almoço feito junto, pros mergulhos fazendo o corpo (trans)acender. Nos encontramos com todas as pequenas coisas que nos trazem momentos felizes (beijos sem trégua, sete mil léguas sem descansar). Novamente descobri um amigo, daqueles de quando criança, que topam tudo e tudo se torna uma grande aventura. E sem pensar muito, se vêem pulando do alto da cachoeira se vêem pulando um com o outro, um para o outro, em uma espécie secreta de parceria e confiança que pra mim só as crianças tem a grandeza se sentir. No nosso caso, acho que tivemos a sorte de não ter crescido e já que nos encontramos, compartilhamos esses pequenos sabores guardados no corpo e na memória, em uma espécie secreta de companheirismo, que é preciso muita sensibilidade pra viver. Te trago pra minha memória afetiva, porque agora você faz parte dela, ainda que seja o meu PRESENTE mais belo, feliz aniversário.


quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Cegueira sem biologia

...Fica como indicação o documentário Janela da Alma.










Eu sustento com palavras o silêncio do meu abandono

(Manoel de Barros)


Como uma forma de introdução sociabilizo um trechinho antigo: 


No caminho pra casa

Ah! Tudo passa devagar demais! O caminho do ônibus para casa, o elevador, o sinal que passa eternos minutos fechado. Ah! Como tudo passa rápido demais! Já é hora de descer do ônibus em meio de meus pensamentos, tenho que correr para chegar ao outro lado antes que o sinal feche, o elevador me leva em casa antes da hora. Por favor me deem tempo sem ansiedade! Neste vai e vem eu só sinto enjoo...



Cegueira sem biologia

Em uma cidade impaciente taxada adjetivamente por via da abstração de maravilhosa, um senhor de pernas tímidas que bambeiam a todo tempo brinca de distração desafiando o equilíbrio. Mas têm pernas firmes de orgulho como se fossem feitas de borboletas livres que se transformam quando invadem minha barriga em uma sensação de medo e insegurança. As borboletas parecem voar por nosso corpos de forma diferente. Eu estou dentro do ônibus sentada e observo o homem senil de vistas cegas que não passa pela roleta pois descerá logo adiante, apenas dois pontos após ao que embarcou. Ele desce sob uma pressão de pressa do motorista e neste mesmo momento o sinal para pedestres abre, as pessoas que aguardavam o enxergam e a corrida para chegar ao outro lado parecem ganhar adição de fuga de uma ameaça de desaceleração travestida de gente da mesma espécie. Observando a cena fico confusa com a biologia do enxergar, o que exatamente caracteriza a cegueira? Me deparava então, em uma cidade de cegos, que enxergam a rua, a luz do sinal, mas não os olhos uns dos outros, me ocupava uma mistura de pena e raiva de um mundo deficiente, com pessoas cheias de incapacidades e limitações. O senhor fica só, enquanto mais uma multidão passa desviando do desejo do tempo parado ali, desviando de si mesmos. O sinal para carros abre, o velho tenta atravessar, o carro buzina e ele retorna, terá que esperar o que o sinal se feche novamente. Pra mim era possível fotografar ali o que significa estar em meio a muitas pessoas e ainda estar só, sem romantismo. Lágrimas querem descer dos meus olhos envergonhados, ao descobrirem que talvez sejam cotidianamente invisibilizadores. Me sinto um pouco do abandono dele. Enxergar, vai ver, é uma das nossas maiores deficiências.

Maria Carolina Abreu 20/11/2014

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Mudez






Mudez

Finalmente ela acordara sem voz. Está completamente desesperada. Sente falta de ar porque a sua primeira comunicação vetada é consigo mesma, um embaralho de pensamentos que não são expulsos em sua briga interna diária, de quando ainda cedo começa a andar pela casa enquanto despeja possíveis explicações, antigas discussões e as diferentes linhas de reflexões que ela tem consigo. O sentimento de desejo e impotência pode ser ilustrado em um corpo caindo de um abismo. A sensação que lhe percorre se assemelha a uma fadiga como o ranger dos dentes ou o lanhar de unhas na parede. Mesmo assim, tenta não esquecer que esse é um desejo que está em silêncio faz meses, e ora, se seus desejos têm obrigação moral de serem silenciados para que a fala? Sorri enquanto pensa por esse outro lado e sente um conforto de pensar que não precisará de auto-flagelo repensando diariamente tudo que diz em suas contradições como se suas palavras tivessem de fato essa relevância. A dor da insegurança, da dúvida, do que não foi falado, do que deveria ser retratado, dos argumentos falaciosos de autoridade vão aos poucos sumindo. A sua fala impotente, prepotente a presenteia como a impotência da mudez. A falta da voz talvez faça a existência da pequenina ficar mais leve. Tenta se acalmar, ainda que com um turbilhão passando por sua cabaça naqueles poucos minutos em que está acordada, pós-descoberta. Tem consciência que sua perda é um sintoma histérico, mas que infelizmente sabe que pode ser tratado por Jesus, um psicanalista, ou quem sabe até na relação entre ela e sua cabeça. Vai até a janela, sua vizinha tem um passarinho que canta engaiolado, quer dizer pia, mas com um olhar desorientado enquanto pula entre dois pedacinhos de madeira sem parar, uma espécie de vigília despreocupada avisada. A menina não se comunica com o vigilante de asas, mas outros pássaros parecem fazer esta comunicação através do canto. Pensa sobre o que é a captura das falas dos bichos para suprir caprichos ou talvez carências dos seres humanos. Esta carência deve ficar clara dentro da perspectiva dos pássaros que também enxergam as pessoas através de suas grades, as pessoas do outro lado presas, sem canto. Ela está nua na janela, enquanto de cima dá a impressão de que cerca de três moradores de rua ficam a observá-la, ela não sai do lugar, mas se sente mal por pensar o corpo de uma forma despolitizada, depois ri e dá de ombros porque não tem voz e, portanto nada de crucifixo, vai continuar da janela nua, se comunicando com o corpo nu, cheio de voz, barulhos e sinais, na busca da compreensão dos seres humanos vizinhos que se apropriam da rua e quem sabe por isso, por estarem fora da gaiola, tem corpo e voz invisíveis. É como se o grupo e a menina estivessem fazendo um jogo poético de invisibilidade pela janela. Ela volta pra sala, são muitos sons naturalizados fora de casa que invadem o espaço e parecem embolar sua garganta, tem vontade de vomitar um mundo que perpassa pelo seu corpo, um mundo que é intencionalmente barulhento para não escutar o calado. Está ansiosa para saber como vai ser o seu dia de muda, desce do seu apartamento e dá bom dia ao porteiro.

Maria Carolina Abreu, 12/11/2014

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Coisas -que eu não escrevi- de quando criança

Coisas -que eu não escrevi- de quando criança







Maria, você tá sempre buscando os caminhos mais fáceis”

Na rua um homem tem um cigarro na mão, enquanto no meio da rua de frente para o ponto faz sinal pro ônibus vir devagar e os movimentos das suas mãos ao vento parece tentar indicar onde ele deve passar, logo depois muito barulho e as latinhas que ele havia espalhado pelo asfalto eram amassadas, vinha outro e a cena se repetia...

Quando pequena acho que não tinha clara essa reflexão na minha cabeça, mas se hoje eu pudesse elaborar uma resposta para tal acusação, acho que colocaria a culpa em terceiros, como o homem das latinhas que se apropria da cidade para realizar trabalho.

Tenho todo dia uma fuga pra minha não apropriação. E talvez por isso eu escute desde menina como um mantra “Maria, você é muito lenta”. A minha lerdeza me salvou e hoje posso me encontrar feliz, mas não sem angústias nos poemas do Manuel de Barros e nos do Fernando Pessoa. A minha lerdeza não foi apropriada pela pressa irracional.

A minha repressão resultou em silêncios incompreensíveis, mas que hoje tem mais significado de reflexão da fala do que de submissão. Me ensina cotidianamente a repeitar tempo e silêncio do outro. Me ensinou escuta e observação. E por explosões veladas, me grita sobre o desejo de enlouquecer. “Essa aí tem boca e não fala né?”. A repressão não se apropriou das minhas formas de comunicação. O silêncio meu deu a escrita.

Vive com a cabeça na lua/ Só tem cabeça pra carregar piolho”. De fato o que eu mais carreguei durante minha vida foram piolhos, podia colecioná-los se quisesse, mas se querem saber eles serviram mais em minha formação na minha relação com as pessoas de que qualquer outra coisa. Se minha cabeça tivesse no pescoço eu não estaria aqui e o moço das latinhas seria aos meus sentidos mais uma apropriação de um sujeito pela cidade.


Que fique claro eu não tenho ideia  da estrutura de uma poesia, mas não tem problema este detalhe certamente (pra mim) é o que há de menos poético. Tenho um caderno que de poesias de quando era menina, acho que faltava essa lá.



Eu me aproprio de mim, fujo.


A pressa alheia tentava me acelerar
Eu lenta, eu tonta, eu lesma
aprendi antes a gozar

O mundo adulto não sabia enlouquecer
São lentos, são tontos, são lesmas
Achando que sabem o que é crescer

Em meio a tantas ordens descabidas
meu silêncio debochava
do que chamavam “de ser alguém na vida”

A gente “cresce”
a ladainha se repete

Mas aprendei sobre apropriação
que sou tonta, sou lenta, sou lesma
para permanecer no meu processo
de criação.



De Maria para Maria, 04/11/2014

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Serviço Social e a reprodução de uma educação tradicional

Eu tinha sérias dúvidas se publicava ou não este texto por insegurança ou por receio de não estar sendo ética. Conversando com alguns colegas fui percebendo que minhas angústias não eram isoladas, portanto creio que seja um direito essa possibilidade de troca. Que fique claro, este texto não é um ataque aos professores e sim uma reflexão sobre nosso modelo de educação e o que é possível construir coletivamente para que avancemos em mudanças.





Serviço Social e a reprodução de uma educação tradicional.

Não parto de conhecimentos científicos, mas de experiências individuais e coletivas. Inclusive por acreditar em outras formas de saber, através dos sentidos e da observação. Estudei em uma escola, que ainda que pseudo-progressista, sua organização se estabelecia para enquadramento, com muitos conhecimentos que não acumularam significado na minha vida. Entrando na universidade me indagava se seria diferente, mas me deparei com grades, disciplinas e avaliações, nos moldes de uma instituição militar. Pensei então se no serviço social esta realidade poderia ser diferente, o que seria possível desconstruir dentro destas estruturas.
Acabei me frustrando também. Com mecanismos coercitivos e a sala de aula como espaço pouco democrático e ao decorrer dos períodos passou a se apresentar como um espaço de silêncio. O conteúdo das disciplinas me foi tão facilmente esquecido quanto o conteúdo da escola, eu parecia ter uma grande perda de tempo em certas aulas, de avalanches teóricas, que tentávamos sinalizar que não conseguiríamos absorver. Depois de muitas vezes sendo mandada estudar após indagações, com o cerceamento das possibilidades de troca, passei a me limitar a reproduzir o conteúdo (e nessas horas eu me saia muito bem) para passar na prova, já que fazem parecer ser o que realmente importa .
Continuam assim a repetição de velhas práticas. Enquanto nos são dados métodos burros de avaliação, nos forçam a encontrar respostas inteligentes (e muitas vezes seculares) como a cola, como recortar e colar um texto sem ao menos ter lido. Para nossas respostas inteligentes, é escolhida pelos professores a via da punição para continuarem a reproduzir métodos falidos.  Creio que um bom começo seria perguntar aos alunos de "porque eles colam?". Optam por mecanismos como “fichamentos” à perguntar se os alunos se interessaram pela leitura e quando perguntam, ainda que a resposta seja que o texto é desinteressante, continuam a passá-lo período após período. Não nos indagam como nos sentimos frente a termos que nos expor na apresentação dos trabalhos. Pelo contrário cada vez mais essa exposição vira um espaço de medo, porque é a todo tempo mediado pela aprovação, pelo teste, por atestado público de capacidade ou de falta dela, é mediada pela autoridade. Não nos fazem perguntas.  Não escutam os estudantes, porque não nos enxergam.
Me sinto um ser imbecilizado a partir do momento que o professor sabe e decide o que é melhor pra mim e sequer partem da rica possibilidade de troca sobre a realidade dos alunos, sobre nosso acúmulo (em uma perspectiva de história, cultura, território).  A única vez que fomos indagamos sobre o que gostaríamos de aprender (sobre a ementa) foi no sexto período com uma professora que não é do serviço social, a postura nos deixou sem reação. As grades são uma realidade concreta do curso.
Claro que todo esse processo de reflexão não foi simples, o meu CR tem um valor ridículo, mas a única coisa que é mais ridícula do que ele, é ele servir para qualquer processo de avaliação,  ele separar bons e maus alunos, como se fosse possível existir este tipo de classificação. Não é fácil pensar todo dia o meu nível de mediocridade como futura profissional, por muitas vezes negar a sala de aula, pra ser sujeito da construção da minha formação, por discursos que não pensam o porque de eu buscar estes espaços, mas punem/pregam de forma discursiva, que os estudantes que não estiverem naquele espaço, tem grandes chances de não ter embasamento teórico e se tornarem um profissionais incompetentes. Este verdadeiro monopólio do aprendizado que determina quais são os lugares que você pode ter acúmulo e que muitas vezes deslegitimam, por exemplo, os espaços do M.E deslegitimam o nossos espaços de auto-organização, de nossa autonomia. Seja lá qual for o motivo me soa uma forma muito autoritária e pouco reflexiva a presença do CORPO em sala de aula. E eu me pergunto se temos ou não uma educação baseada na punição das múltiplas formas de como ela expressa ?
Nós não ficamos dependentes ou somos tutelados quando somos questionados por nossas ações, mas quando não somos protagonistas das nossas reflexões. Não há como trabalhar autonomia e liberdade com usuário, se não trabalhamos estas questões na nossa formação. Haverá continuidade na formação de profissionais que carregarão os valores mais conservadores, ainda que com nossa formação marxista, se não tivermos espaços de discussões onde estes alunos possam falar, para compreendermos a partir de que construções eles partem.
Se não tivermos espaços de troca para repensarmos nossos valores, nós os carregaremos em silêncio para nossa prática profissional. Isto só é possível a partir da compreensão de que a sala de aula deve ser um espaço democrático e isso só acontece na prática se pensarmos coletivamente em mecanismos democráticos para estabelecermos nossas relações, se discutirmos as relações de poder . Nos demandam rebeldia frente a esta sociedade, mas calam nossa rebeldia dentro da sala de aula. Há uma formação de aprofundamento de discurso, mas não há aprofundamento de sensibilidade. Muitos professores têm discurso afiado, mas na prática, eles nos mostram que são completamente limitados de se reconhecerem como profissionais/humanos com práticas profundamente insensíveis. 
É exaustivo dialogar com um professor para explicar  minhas faltas e ser oprimida por isso e que fique claro isso não significa vitimização, e sim busca por autonomia, por direito de escolha, porque parece que a única via de educar hoje é nos dizendo o que fazer e como fazer.
E explicar ainda que minha falta se dá em decorrência de que o outro espaço que eu estava participando seja teatro, cinema, discussões, reuniões contemplações me trazem mais acumulo intelectual e pessoal de que a aula dele ou que simplesmente aquele era um espaço importante para mim e infelizmente eu tive que me ausentar.
Parece engraçado falar dos desafios do assistente social como a criatividade, a comunicação, a construção de reflexão com o usuário. Se eu sequer construo uma reflexão com meus professores, como posso construir com o usuário? Se eu não me sinto sujeito dentro de sala de aula, como vou olhar o usuário como sujeito? A minha relação com ele é de comunicação via discurso? E a comunicação com o corpo, com a arte, com a escuta? Para a possibilidade de ser criativo é preciso antes de tudo a possibilidade de um espaço de criação. Nós não sabemos o que significa criatividade, pois estamos presos a amarras mecanicistas e lineares, sem expor nossos saberes e experiências. Vamos partir dos vícios das respostas?  As chances de reproduzir o modelo da nossa formação na nossa profissão me parecem grandes. 
Na direção de uma aula, nós perdemos o nosso controle sobre o processo de nosso próprio aprendizado. As aulas se tornam uma grande ironia, estudar processo de trabalho, pensar o marxismo vira uma grande piada em construções nada dialéticas. Se o curso de serviço social reproduz os moldes da instituição escola tradicional, ele também não contribui com a nossa emancipação. Eu espero um dia poder viver em uma sociedade sem manicômios educacionais.


Maria Carolina Abreu.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Qual é o seu nome?

Quando eu era pequena assisti o filme Estamira e soube tempos depois que as pessoas o achavam muito pesado, eu achava esquisito eles acharem aquilo. Pois bem, eu fui crescendo e levei algumas recordações, de falas, de cenas, tudo me marcou de uma forma estranha. Lembro que ao fim do filme eu falei pra mim mãe: -Mãe queria comer o macarrão da Estamira. Ela me causava encantamento, e eu tinha muita vontade de conhecê-la. Até que soube de sua morte, que me tocou muito. Mas ESTA MIRA tudo vê, está em todos os lugares e me presenteou com uma outra sábia mulher. A história narrada abaixo é baseada em fatos reais, mas não se esqueçam: É apenas uma obra literária. Evitem ler lúcidos, segundo a própria, a lucidez não deixa ver.






Qual é o seu nome?


      Não são para muitos o estranhamento com as gaiolas empilhadas feitas de pedra. Eu faço parte do outro grupo junto com uma senhora suja que vive no meu andar. Na porta de sua gaiola, existe um batalhão, que anda meio desorientado sem saber o que procuram, mas que mesmo na invisibilidade do nascer do sol e do descer da lua, habitam diariamente aquele lugar. A estratégia do batalhão é genial, pois causa permanente asco no resto daquela gente que não sofre de estranhamento, garantindo assim, território livre dentro da gaiola. 

   De antenas em pé, as vezes alguns se aventuram no vazio branco do corredor, ousam tentar tirar o juízo dos sensatos que habitam as gaiolas vizinhas. Buscam frestas, em tentativa fracassada de encontrar luz ou comida. Da minha gaiola escuto o barulho dos spray's das vizinhas, me causam aflição, me fazem encolher e querer tapar os ouvidos. A violência daquele ruído somado ao seu tempo de duração indicam que definitivamente eles não querem matar apenas insetos.
   Essa gente que ocupa este lugar se veem, se esbarram, mas não se enxergam. Deve ser mesmo culpa da lucidez que cega os olhos saudáveis. Nesta invisibilidade, os sentidos destes, parecem ser rígidos e inertes de expressão, inclusive a fala. A troca de vozes só acontecem pelas amarras morais da civilização. Dentro desta exceção de troca, resolvem se reunir, mas suas presenças para fora de suas gaiolas parecem se camuflar com o aspecto frio e vazio do corredor. 
   O ponto central do burburim era solicitar a dedetização da gaiola vazia das tardes com gente. A gaiola de marcas pretas na porta e pó preto pelo chão. A gaiola sem tapete. Solicitação da anulação da gaiola que é diferente, que ofusca todas as outras, ainda que seja a mais oprimida, é como se a defesa da gaiola fosse sintoma de agressão. Um pouco das narrativas:

-Essa velha só chega de noite pra ninguém ver.
-Mas e os filhos?
-Isso daí tem família? 
-Eu não aguento mais
-O porteiro diz que tem lixo até o teto
-Temos que ir todos...

   Fechei a porta e fui sofrer como um pássaro sem canto. Não ousei a fala, palavras tem muito poder (e aquelas pessoas ou não sabem disso ou sabem muito sobre) preferi responder com o silêncio. Eu não queria que ela se fosse, mas com certeza não ficaria ali sem sua coleção de objetos que a protegem, sem seu batalhão, sem sua sujeira para ter anti-corpos suficientes e não adoecer de sujeira humana.         Murchamos as duas, sua presença me atormentava e quando vi, estava completamente envolvida com a senhora, mesmo que eu estivesse de forma oculta. Sem ter sido preciso uma palavra trocada, sem precisar vê-la com frequência, me envolvi angustiadamente com a simples existência de um ser humano que eu sequer conhecia, mas que precisava por perto para me proteger também. 
   Eu queria a elevação através da sujeira assim como a dela e ela foi fundamental pra essa descoberta. Por exemplo, levei muito tempo para admitir para mim mesmo que a minha nudez não era suja, não era feia, e não falo sobre essa admissão no sentido moral, porque no campo do discurso, a nudez me era sempre admissível, assim como ela é admissível para o mundo quando padronizada...digo no sentido estético, de encontrar beleza nas diferenças que meu corpo apresentava para mim, de engolir o nojo do mundo diante das minhas imperfeições que nascem conosco como se fossem pra gente sofrer. 
   Toda essa ânsia que o mundo vomita sobre nós duas se tornou fonte de libertação. A sua presença, ainda que de andar tímido e arrastado pelos cantos me soava uma grande afirmação que resgatava minha história, minha identidade. Ela me mostrou o lixo, eu a respondi com nudez.
  De fato não deu outra, ela teve que esvaziar o apartamento, o corredor que até então era um vácuo se encheu de fantasia e sofrimento. De sua gaiola eram despejados sacos e sacos de histórias, de armaduras, de guardas chuvas. Ao fim destas pilhas de sacolas na direção de sua gaiola para a minha, havia e escada do prédio, onde ela ficava sentada, que coincidia de ficar ao lado de minha porta. Eu ficava inerte ao encontrá-la, me dava frio na barriga, coração acelerado, era uma ameaça (querida) pra mim.
   Seus olhos cabisbaixos de trapo me penetravam a alma. Olhos que parecem sentir a dor da vida, que carrega consigo a solidão de nascença. Seus olhos distantes e misteriosos, me fazem ter dúvidas se são tristes ou se estão tristes por invadirem, aprisionarem sua gaiola, que até então era a mais livre. Cada frecha de ar da gaiola, foi vedada. Sua melancolia era tanta, que eu me indagava sua relação com essa clareza agressiva da sociedade e me pergunta a forma como vivia lhe causava mais dor ou imunidade.
  O cheiro que fugia destes sacos me embrulhava o estômago. O cheiro me perseguia mesmo quando eu estava longe de casa. Estava impregnado no meu nariz, no meu corpo, no meu organismo, estava entranhado em mim e não havia banho que o carregasse, além disso, junto com ele me vinham os olhos de trapos. Para os outros o odor era ainda mais insuportável, pois era cheiro de uma realidade que não cabia ali, de um perfume não-artificial, não-máscara.                  Absurdamente aquele fedor passou a fazer parte de mim.
Eu a cumprimentava todas as vezes que a via e era a única que fazia do meu andar, eu perguntava se estava tudo bem e ela sempre respondia que mais ou menos, de cabeça baixa, com seu belo vestido de pano que parecia com seus olhos. Um dia eu falei que se precisasse de algo ela poderia pedir, era só tocar ao lado, ela levantou a cabeça e agradeceu.
  Esse foi um grande passo pra mim, que sempre ficava paralisada em seu encontro, conseguia entrar no caminho sem rumo de suas expressões, quando falava com ela, mas nos comunicávamos também com o silêncio de nossas posturas, com corpos abatidamente curvados. Eu fantasiava nossos encontros e imaginava um monte de versões para sua história, eu queria escutá-la, conhecê-la, queria que ela dividisse um pouco de seus ex-passos comigo. Sua coragem me enchia de novas questões e um sentimento de impotência por saber do meu medo de expor a loucura que já habita a minha cabeça. Eu mesma tranco e prendo o que há dentro da gaiola que carrego em mim.
  O tempo foi passando e os dias foram ficando mais doentes, porque ela partiria junto com seu batalhão pra outro luga. Em breve eu teria que viajar e ficava a cada dia mais ansiosa de saber se ela continuaria, ou se na minha volta não teria mais a minha proteção. No dia da viagem, por um motivo que não me recordo, estava alegre, coloquei a mochila nas costas, saí de casa, e lá estava ela sentada. O elevador estava em um andar próximo, eu chamei. Olhei pra ela, com um sorriso de olhos, dei boa tarde, disse até logo e entrei no elevador, antes que a porta se fechasse ela me olhou e perguntou: Qual é o seu nome? Respondi e devolvi a pergunta, ao finzinho de seu nome, a porta do elevador fechou. Eu viajei, ela foi embora e não voltou.
   Eu comecei a escrever esta história pouco depois de nos conhecermos e aos poucos eu ia preenchendo espaços do texto e de quem o escreve. Mas Quando ela se foi, levou uma parte de mim, que me impossibilitava continuar a escrever. A falta que ela trazia parecia me desumanizar, a mim e a todo este andar que perdera o gosto. Até hoje fico imaginado, sorridente, seu lixo tomando todo o prédio e limpando toda a podridão das gaiolas empilhadas, enquanto no nosso canto, a gente observa o vírus da paranoia se espalhar.
   Ontem eu regressei da universidade e no outro bloco vi uma senhora que me lembrava ela e fiquei feliz. Em seguida chegou uma moça e comentou com o porteiro de forma maledicente: -Ela só chega de noite pra ninguém ver né? Ele ri e confirma. Ela continua: Dia desses eu a vi subindo aqui. Ele novamente em um riso cômico-sínico responde: É ela tá voltando a encher aqui também. A sua existência perto de mim destravou meus dedos para essa escrita, os ombros curvados de desânimo e apenas por existir provoca a gaiola de minha cabeça: Quando lutará por liberdade?
   Ah, esqueci de um detalhe importante, pouco tempo depois dela ir embora, a fresta de minha porta apareceu lacrada, tá até hoje, não ouso tocar, apenas fico muito, mas muito feliz. 

Continua...?

Maria Carolina Abreu, Atemporal.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

O vestido

Dia desses deitada na minha cama, com forças que em brincadeira maledicente se escondem, olhava pela janela do quarto o céu... como as nuvens não se mexiam, tampouco a casa, indaguei se o mundo havia parado.
A verdade é que eu transpunha minha inércia para o mundo e o meu vazio para o céu. A comunicação do vazio triste e intrinsecamente egoísta, faz com que a compreensão alheia, com razão, passe bem longe, em posição de indiferença.
Parece ser preciso que nos prendamos em cordas invisíveis para que não haja, o que nessa sociedade pseudo-lúcida chamariam de surto e essas amarras levam tempo e ocupam corpo e cabeça.  
Acho que este é um pouco do motivo que abandonei o blog. Em breve o transformo em um diário piegas sentimental para estar mais presente.
Agradeço ao brilho nos olhos dos amigos de meu companheiro que tive o prazer de encontrar. Não tinham brilho nos olhos quando falavam da escrita, mas fazer a associação entre as duas coisas, me deu muita vida.
Me permito não fazer muitas coisas e fico pensando que se a escrita fosse uma obrigação provavelmente eu largaria, mas o abandono da escrita é uma forma de agressão que eu não me permito. 
Espero que vocês estejam com saudade, eu estava com saudade de mim!
Boas ventanias na leitura deste próximo conto...




O Vestido


    Finalmente tomei ânimo para sair de casa, não em copo de água com pílulas, apenas com o medo do corpo de enrijecer. Saio em busca de uma inspiração que me dá riso melancólico, já que não dá em árvore ou no vento. Aliás, ainda que haja um pôr do sol alaranjado e um leve aquecer nos lugares livres de sombra, há um ventania terrível. Eu a odeio já que sua única função é o desconcerto. Vou até o cais, o local costuma concentrar algumas pessoas em fins de tarde e para mim serve as vezes para a escuta de uma boa história, quando os ouvidos com cera ou imagens a serem observadas, quando os olhos fechados não são importantes. Queria eu, que minha criatividade, corresse como esse maldito vento de hoje.
    Hoje é um daqueles dias que a linha branca do paralelepípedo, no qual eu ando cambaleando embriagada de realidade, parece desequilibrar o limite entre a sinceridade e a auto destruição. Saio sabendo que passarei o dia em convivência com todos aqueles sintomas de histeria coletiva humana, como: o amor ao trabalho, a monogamia ou a lua, com tudo aquilo que não é posto em dúvida. Encontrar pessoas que falam o que querem e escutam o que querem falar. Ou até mesmo aqueles que ousam a negação de suas verdades, mas que carregam uma contradição monótona em suas falas incisivas, sem cogitar que essa não existência também é uma forma de verdade. Analogamente as acabam por travar diálogos como com seres inanimados, que consomem minha alma e ultimamente me fazem perder um pouco de vida. Sinto uma solidão profunda, que não se resume a estar só e sim de não querer estar na companhia de outras pessoas.
    No cais, de forma rebobinada, o barco parece trazer de volta a seu ventre o sol que pariu de manhãzinha, isso me traz um pouco de vida, e a coincidência de só ter mulheres na praça daquela pequenina cidade, dá aquele vento provocativamente irritante uma espécie de sintonia em encontro a um rebuliço revolucionário. E para mim, que narro as cenas destas mulheres, um fardo desafio, já que minha relação com as pessoas vem de forma montanhosa degradando-se. Observo, com os sentidos do corpo e as fantasias da imaginação, três imagens:
    Suas unhas ruídas ao sabugo fazem com que suas mãos percam as forças até para segura sua cabeça que aponta para baixo. A mulher tem o pescoço turvo com a cabeça pendurada entre as mãos em misto de vergonha e dúvida. Tem vivido de pequenos surtos. Suas curvas explicitam sua jovialidade. Ela está em um dilema, pela primeira vez se sente profundamente feliz com alguém, ainda que esse alguém não firme compromisso futurístico com ela, que a traia, que não lhe traga nenhuma certeza do amanhã. A sua cabeça não consegue raciocinar mais, toda a ausência presente dele lhe causa profunda insegurança e uma espécie de sensação de depressão cotidiana. Volta e meia ele não vai dormir em casa, ora porque se perde por pequenos encantos de outras mulheres, ora porque cai nas tentações da música e das drogas leves. Leve também ele vai se achegando pra perto dela e sabendo suas convicções religiosas goza: um dia, se Deus quiser, você vem para o mundo das drogas também. A jovem sente muita raiva, mas com um arrepio de graça pelo corpo, já tá acostumada com os sentimentos contraditórios que ele lhe causa. O sexo é a cada sexo, o melhor de sua vida, e ela dividida entre lagrimas e gemidos, sabe que só o é, apenas porque deriva das explicações das traições, que multiplicam as formas de carinho. Ela o enxerga como as amoras de seu quintal. Com sua ansiedade do amadurecer das amoras, que no outro dia aparecem pretas, ela as cole, mesmo sabendo que ainda continuam amargas. Ele definitivamente não é "homem pro resto da vida", se é que isso de fato existe, sem que seja por obrigação, mas não importa. Estar sem ele é engolir a voz, com ele, são gritos perdidos no vazio. Ela então resolve engolir o choro e o sofrimento de vez da sua vida. Olha no relógio e o ponteiro marca seis da tarde, não pode se atrasar, vai encontrá-lo e contar sua decisão. Ele já a esperava no portão com sorriso cínico e com cheiro de um perfume feminino qualquer. Ele pega o violão encostado no muro e antes que a voz dela ecoe, ele canta e toca a poesia que lhe fez de presente.
    Onde já se viu uma mãe sair com seu filho em plena ventania? Este é o cometário geral da cidadezinha. Ela sente os cochichos e caras de reprovação pelo seu desleixo. A viseira das tradições lhe traz angústia e uma impotência que se parece como quando estende lençol de elástico no varal. Em meio a tensão que comprime seu corpo no banco da praça, ela precisa disfarçar o enorme prazer que sente pelo chupar do seu peito pelo seu próprio filho. Seu inquietamento é mais que visível e forma nas redondezas uma espécie de torcida organizada à um surto clássico, para que o mais rápido possível essa insensatez fosse isolada bem longe. A moça resolve levantar-se com o filho no colo, e tem um andar meio desorientado por seus pés aéreos. Não importa, já que o que nos derruba é a vista distraída. Vai em direção ao muro do cais, onde as ondas se chocam a ele violentamente. No curto caminho sente uma dor que se estende até a ponta dos dedos pelos julgamentos alheios que tiram-lhe a força, força essa, necessária para que seu filho propositalmente não escorregue por suas mãos. Seus olhos castanhos tem um lacrimejo que não se sabe bem se é culpa do vento ou da tristeza. Encosta a barriga no muro, ergue os braços e levanta seu filho em direção as ondas, que neste momento estavam mais mansas. Há uma tensão, junto a uma inércia proposital geral. Mãe e filho se olham profundamente, e o filho ao ser suspenso pela incerta tremida mãos da mãe, olha a fundo seus olhos perdidos e do alto, imóvel, solta uma deliciosa gargalhada, que misturada a aquele vento, parece um grande deboche da vida.
    A senhora sorri de lado, como se houvesse um espelho imaginário em sua frente, onde fosse possível o controlar do local de cada ruga no movimento de cada traço de seu rosto, o que não era nenhum desafio para ela que passou cinquenta anos casada. Seus olhos miram sua casa, mas parecem atravessá-la, estão imóveis, mas desatentos. Ela veste um vestido floral com um decote descosturado, ainda por terminar, nos lábios finos veste um batom de um rosado antigo. É sem dúvidas, a imagem mais bonita daquele lugar, que parece entrar em fusão com a luz mais bonita do dia que paira sobre seu corpo senil, mas forte, uma espécie de soberania serena. O vento joga seus cabelos não muito longos a chibatadas em seu rosto, mas ela não se mexe, é como se estivesse em uma profunda contemplação. Ainda que com consciência de seu deslumbre sem se importar com a vaidade. Seus olhos correm para o canto e acompanham a ambulância que estaciona em frente à sua casa, os enfermeiros descem do veículo, entram na residência e saem minutos depois com um homem estendido na maca...é explicita a busca dos profissionais por sua mulher para que pudesse acompanhá-lo, sabe como é, cidade pequena todos se conhecem, consomem a vida um dos outros. Mas não havia nem sinal dela, apenas do outro lado da rua, uma divina senhora, que continha agora o ultimo raio de sol iluminando sua boca, dando uma coloração mais viva ao tom de seu batom envelhecido, mas nunca antes vista por aquelas bandas. Ela fica ali mais alguns minutos, espera que o carro vá, em seguida cruza a rua, entra na casa e fica nua. Seu vestido que nunca pode usar ficara lindo com os botões pregados. O travesseiro marcado por suas unhas continua no mesmo lugar.
    Meu corpo vazio foi preenchido por aquele vento ousado, que sem pedir licença avançou pelos meus poros, trazendo junto a ele, todas aquelas histórias que se entranhavam em mim. Me levanto pra voltar pra casa em direção oposta a ele, que briga com meu corpo, mas carrega meus pensamentos pra um espaço desconhecido, escancarando pra mim, agora sem grandes resistências, que a natureza, responsável por nossa existência, traz a grandeza do absurdo dentro de nossa insignificância.


Maria Carolina Abreu.

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Bolhas de água sem ar.

Bolhas de água sem ar.



   Sofria de uma sede insaciável, que dava falta de ar, como um corpo sem ventilador.Pela janela observava uma mala em cima do teto do ponto de (ônibus) em movimento, o aperto da mala em sintonia com a liberdade da queda. Se a mala tivesse aberta conseguiria respirar? De noite se revira na cama na busca de uma posição que lhe deixe respirar, em um contorcionismo de suplicio para que o invisível lhe toque o corpo, na possibilidade de se acalmar.
   Nascer humano traz a falta e um sistema nervoso. Por essa condição de humano, pressupõe-se castração. Educam o amor, que naturaliza-se. Em algum momento sua fragilidade já virou agressão? Se procura no espelho, e narciso, talvez não fosse idolatração, mas busca. Ninguém que se não o outro é capaz de vê-lo, no sentido de sua integralidade de sentidos. Essa talvez seja a maior perversidade -(HUMANA), humana,no sentido romântico da palavra. Se  pudesse sair de si e se ver, liberta de si, encontraria ar?
   Vai a praia, tentar matar a sede, se aventura nas ondas e leva uma sequência de caldo,  a experiência traz um monte de sensações confusas,  o cabelo que embola em seu rosto parece compactuar com aquela água marrom agressiva que que invade os buracos de seu corpo em busca de acabar com seu ar. Teria encontrado o ar agora? A convivência com sua existência é quando nos falta?
   Se afastando daquele turbilhão de movimentos da água. Boiou e saiu com fraqueza do mar. Passado o susto, recordou-se do seu filtro com a água que não mata sua sede.  Se sentia como  o copo, que dizer, como a bolha do copo da água que faz movimentos bruscos, ainda que aparentemente singelos, descendo e subindo eufóricos e sufocados, que quando chegam a superfície viram hegemonia da substância. Seu corpo tocara finalmente o invisível?
   Então  indagou um absurdo: Será que já  houve alguma pessoa, apenas uma no mundo, que ao levar um caldo, tenha sentido um minuto de prazer? Em cima do ponto de ônibus tem uma mala fechada, embaixo, uma pessoa que não respira.


Maria Carolina Abreu, 25/09/2014

domingo, 21 de setembro de 2014

Xeque mate literário










Xeque mate literário

    Agora ele inventara de jogar xadrez. Não haveria de existir ideia pior, já que se trata de um jogo tão traiçoeiro  quanto eu. Eu não lido bem com jogos em geral. Minha mente libera substâncias que me fazem ter nó de perversidade na garganta e exalar um odor que fede  a superioridade. Se seus olhos enxergam jogadas, mas são cegos ao meu desequilíbrio, terá que lidar com as consequências. As casas igualmente pintadas e distribuídas não significam nunca harmonia, nem sequer igualdade.
    Saio de casa, já que no jogo, com a minha mente lenta, não consigo expressar o meu desejo de massacre em revanches. Trabalho o jogo, ridicularizado por mim como entediante, em revide ao outro  extremo da monotonia, com a excitação do meu corpo com outros adversários.  
  Marco com um amigo. Conversamos com palavras mecânicas, como as jogadas para avançar; o lado oposto nunca é despretensioso e isso me traz um ódio por fragilidade. Ele me convida para sua casa, ao chegar, entramos no tabuleiro e iniciamos os movimentos. Ele começa o jogo e é profundamente previsível quando  segura a minha cabeça e começa a passar sua língua pelo meu pescoço; o peão anda duas casas. Eu o afasto de maneira dengosa, encostando a cabeça no ombro, em uma simulação real de um arrepio que percorre o meu corpo; o peão anda uma casa da ultima fileira do lado esquerdo,em combinação de timidez e astúcia,  que prepara o espaço da presa de forma silenciosa. Suas mãos tendenciosas em movimentos rápidos começam a arrancar a minha roupa enquanto sua boca se aproxima de minha barriga; bispo se alinha com o peão. Eu nua dou um passo para trás até encostar a parte de trás das minhas cochas na cama; avança o peão uma  casa do outro lado, na ultima fileira, como observador, que envolta quem se aproxima. Sou empurrada pra cama e ele se posiciona por cima de mim, em uma previsibilidade patética de avanço voraz, como se em algum dia isso houvesse representado qualquer tipo de ameça para quem ri cinicamente por baixo; rainha anda duas casa e para na frente da casa inicial do bispo. Eu, como disse anteriormente, estou rindo de forma debochada; avanço com  qualquer pião. Acontece a penetração; Xeque com a rainha. Eu a como com meu rei, com uma vontade, mas tanta vontade, que seu bispo não demora nada a chegar, que faz com que ironicamente  seu corpo termine mole, fraco.
  Eu venço os jogos de forma invisível e cruel, em uma auto destruição de uma auto impotência esticada ao rei que goza de um ataque a parte humana da cabeça do adversário que falha quando se concentra na estratégia.
   Chego em casa de noite, beijo o meu namorado, pergunto como foi o dia, e ainda úmida entre as pernas, exalando um odor que fede a poder, de jogo ganho, o convido para mais uma partida de xadrez.
Ele tem um jogo, eu tenho um corpo.


Maria Carolina Abreu, 21/09/2014

sábado, 13 de setembro de 2014

Aguçando os sentidos para acabar com o método

Bem vindos ao meu quintal. Essa poesia desformada me faz carinho. Bom devaneio.





Aguçando os sentidos para acabar com o método

Deve demorar uma vida para se formar, cursa poesia. Divide com a solidão para dobrar a impossibilidade do ócio. Ao se olhar nua no espelho, só enxerga traços disformes. Tem dúvidas de sua existência. É feita da lentidão do bater das asas de algumas garças na escolha de um galho. Seu corpo acaricia os insetos, que nele resolvem explorar. Seu abraço assemelha-se o agarrar das abelhas nas flores, trepado, como de corpo inteiro. Pela noite, empresta seus ouvidos às angustias dos mosquitos que zumbem em seu entorno. Para se esquentar enrosca-se no cochicho do mar. A dança é inspirada nas pontas das folhas do coqueiro. E em raridade, quando sem preguiça deseja pensar, faz como os pássaros que brincam nos varais e se dependura de cabeça pra baixo. Tem brigas terríveis com o tempo, para afirmar sua ambiguidade, de ser metade casulo, metade borboleta. Tem gosto de vida em banho marasmo, como um cochilo na rede.
A começar pelo existir, começou a entendê-lo enquanto admirava um homem que pescava em cima do telhado do barco, o distante entrava em seu olhar. O diálogo com o silêncio lhe ensinou escuta. Movimentar-se o corpo, observando o balanço das árvores finas. O sexo, com as pequenas marolas do rio, que se atravessam de todos os jeitos e direções. Sem asas, com as aves, descobriu que pode voar. Por vezes, põe dedos e objetos frente aos olhos, assim garante as imagens. O ver vem com os sentires.
Encontra o amor no sabor do cheiro das ervas viradas fumaça, quando se tornam chá. Na delicadeza dos grãos de areia, escondidos nas dobrinhas das conchas curvadas, amedrontados pela imensidão do mar. No russo dos corpos das crianças sujas, imundas, que provam assim, sua ultima aventura e logo depois fogem do banho como mais uma de suas brincadeiras.
Descomprrende o mundo como uma criança, às vezes corre até o desequilíbrio, brinca de mistério, procura funções na fuga do risco do tédio, enjoa rápido, faz por distração e tá sempre caindo. Em tempos de obrigação empaca, injuria-se. Encara a vida, como uma peça de teatro, se não há critérios para ser gente, além da cara, que sejam todos personagens e o resto cena. Assim pode-se viver e sorrir.
Sofre feliz juntos as miudezas, as tardes laranjas introspectivas. O vai e não-vem da lagoa, que passa despercebido aos distraídos. As estrelas mais apagadas, quase imperceptíveis no céu. As pernas zebriadas das aranhas. O carinho do fim da tarde, feito pelos raios de sol. Dispensa os excessos para ir de encontro à invisibilidade da beleza.
Que é o amor senão a simplificação da vida?

Maria Carolina Abreu, 22 de fevereiro de 2014.


quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Vocês hão Eu ar

O que é antipoesia? “Um tapa na cara do presidente da sociedade de Escritores” 
O que é um antipoeta? “Um sacerdote que não crê em nada”, “um bailarino à beira do abismo”, “um vagabundo que ri de tudo, até da velhice e da morte”.

 (Nicanor Parra)






Como narrei na primeira postagem deste blog, na "apresentação", quando eu era pequena escrevia. Escrevia poesias. De repente quando ninguém esperava, eu pegava papel, caneta ia pro canto e voltava com uma surpresa. Talvez fosse uma forma de expressar o silêncio, onde as pessoas não entendiam suas palavras. Cheguei até ter grande entusiasmo para publicar um livro, ganhei um concurso de poesia na escola, com uma poesia profundalindamente piegas...mas não sei quando ou porque, em algum momento acabou... Os anos se passaram e mais uma vez precisava me expressar com o corpo dentro das palavras. Resultou nos escritos que vocês vêem acompanhando. Mas nunca poesia, pelo menos aquela que se parece poesia. E hoje aconteceu algo inesperado, como a surpresa de minhas poesias quando pequena, na diversão de brincar com as palavras, foi saindo algo parecido com o que é nomeado: poesia! 
Ela seria introduzida a partir de algum personagem de um próximo conto, o que tinha como principal objetivo passar a responsabilidade da tolice que escrevi para terceiros. Mas meus personagens tem lá sua personalidade e seus limites comigo, foram duros e não admitiriam tal absurdo.
Eles tem razão, que eu arque com a responsabilidade. Divido com vocês um dia importante em minha breve história de escritora fracassada. Se for possível, bom poesiAR!


Vocês hão Eu ar.

Deus os livra
Eu LIVRO
Vocês creem
Eu CRIO
Vocês céu
Eu PÁSSARO
Vocês penam
Eu PENA
Vocês Sacrifício
Eu ício
Eu ÓCIO
Vocês foram
Eu VÃO
Vocês remédio
Eu MANIPULAÇÃO
Eu POESIA
Vocês punição.


Maria Carolina Abreu, confuso dia 11/09/2015