Bom
dia. Você ainda não é acostumado com as minhas crises passionais
pré-aniversário, esteja então apresentado amor. O tempo tava nublado e se
alinhava com uma tristeza inconsciente, que bom que tu existe pra resgatar a
minha energia, que de vez em quando, fica perdida em algum lugar no fundo de mim.
Nosso espontaneísmo sempre nos prega grandes peças. Será que viajar seria mesmo
uma decisão acertada? Bom, na verdade olhando pra gente, pra casa, pra vida,
definitivamente nosso vínculo com planejamento ta longe de ser algo que tenha
gosto de firmeza. Fomos, e eu sabia que aquele podia ser um desejo seu, mas antes
era uma forma de me ver feliz também. Chegando perto, previsões trágicas de quem
descia a serra, tiroteio, lugarejo de baixo d’água e na nossa frente um
chuvisco mirado para o imprevisível. Lá a gente oscilava entre o conforto e o
nosso espírito torto. Em seus olhos era possível ver um pouco de angústia de um
anseio que as coisas pudessem dar certo...foi em vão é claro, assim como o
começo de nossa história que tem os melhores momentos na curva, que não segue
sobre retas. Nos entregamos a gente, a nosso jeito, decidindo pela barraca e
antes que terminássemos de nos ajeitar, raios de luz. Um sol bonito apareceu, pra
dizer: “olhem como vocês são iluminados”, nesse momento os olhos que tem gosto
em ser ingênuos se misturavam com o brilhar do dia. Foi um tempo rápido, mas que
parecia se multiplicar de felicidade, não com momentos extra-ordinários, só
pelas nuvens que deram trégua, pro almoço feito junto, pros mergulhos fazendo o
corpo (trans)acender. Nos encontramos com todas as pequenas coisas que nos
trazem momentos felizes (beijos sem trégua, sete mil léguas sem descansar). Novamente
descobri um amigo, daqueles de quando criança, que topam tudo e tudo se torna
uma grande aventura. E sem pensar muito, se vêem pulando do alto da cachoeira se
vêem pulando um com o outro, um para o outro, em uma espécie secreta de parceria
e confiança que pra mim só as crianças tem a grandeza se sentir. No nosso caso, acho que tivemos a sorte de não ter crescido e já que nos encontramos,
compartilhamos esses pequenos sabores guardados no corpo e na memória, em uma espécie secreta de
companheirismo, que é preciso muita sensibilidade pra viver. Te trago pra minha
memória afetiva, porque agora você faz parte dela, ainda que seja o meu PRESENTE mais belo, feliz aniversário.
segunda-feira, 8 de dezembro de 2014
quinta-feira, 20 de novembro de 2014
Cegueira sem biologia
...Fica como indicação o documentário Janela da Alma.
Eu sustento com palavras o silêncio do meu abandono
(Manoel de Barros)
Como uma forma de introdução sociabilizo um trechinho antigo:
No caminho pra casa
Ah! Tudo passa devagar demais! O caminho do ônibus para casa, o elevador, o
sinal que passa eternos minutos fechado. Ah! Como tudo passa rápido demais! Já
é hora de descer do ônibus em meio de meus pensamentos, tenho que correr para
chegar ao outro lado antes que o sinal feche, o elevador me leva em casa antes
da hora. Por favor me deem tempo sem ansiedade! Neste vai e vem eu só sinto
enjoo...
Cegueira sem biologia
Em uma cidade impaciente taxada adjetivamente por via da abstração de maravilhosa, um senhor de pernas tímidas que bambeiam a todo tempo brinca de distração desafiando o equilíbrio. Mas têm pernas firmes de orgulho como se fossem feitas de borboletas livres que se transformam quando invadem minha barriga em uma sensação de medo e insegurança. As borboletas parecem voar por nosso corpos de forma diferente. Eu estou dentro do ônibus sentada e observo o homem senil de vistas cegas que não passa pela roleta pois descerá logo adiante, apenas dois pontos após ao que embarcou. Ele desce sob uma pressão de pressa do motorista e neste mesmo momento o sinal para pedestres abre, as pessoas que aguardavam o enxergam e a corrida para chegar ao outro lado parecem ganhar adição de fuga de uma ameaça de desaceleração travestida de gente da mesma espécie. Observando a cena fico confusa com a biologia do enxergar, o que exatamente caracteriza a cegueira? Me deparava então, em uma cidade de cegos, que enxergam a rua, a luz do sinal, mas não os olhos uns dos outros, me ocupava uma mistura de pena e raiva de um mundo deficiente, com pessoas cheias de incapacidades e limitações. O senhor fica só, enquanto mais uma multidão passa desviando do desejo do tempo parado ali, desviando de si mesmos. O sinal para carros abre, o velho tenta atravessar, o carro buzina e ele retorna, terá que esperar o que o sinal se feche novamente. Pra mim era possível fotografar ali o que significa estar em meio a muitas pessoas e ainda estar só, sem romantismo. Lágrimas querem descer dos meus olhos envergonhados, ao descobrirem que talvez sejam cotidianamente invisibilizadores. Me sinto um pouco do abandono dele. Enxergar, vai ver, é uma das nossas maiores deficiências.
Maria Carolina Abreu 20/11/2014
quarta-feira, 12 de novembro de 2014
Mudez
Mudez
Finalmente ela acordara sem voz. Está completamente
desesperada. Sente falta de ar porque a sua primeira comunicação vetada é
consigo mesma, um embaralho de pensamentos que não são expulsos em sua briga
interna diária, de quando ainda cedo começa a andar pela casa enquanto despeja
possíveis explicações, antigas discussões e as diferentes linhas de reflexões que
ela tem consigo. O sentimento de desejo e impotência pode ser ilustrado em
um corpo caindo de um abismo. A sensação que lhe percorre se assemelha a uma
fadiga como o ranger dos dentes ou o lanhar de unhas na parede. Mesmo assim,
tenta não esquecer que esse é um desejo que está em silêncio faz meses, e ora, se seus desejos têm obrigação moral de serem silenciados para que a fala? Sorri
enquanto pensa por esse outro lado e sente um conforto de pensar que não
precisará de auto-flagelo repensando diariamente tudo que diz em suas contradições
como se suas palavras tivessem de fato essa relevância. A dor da insegurança,
da dúvida, do que não foi falado, do que deveria ser retratado, dos argumentos
falaciosos de autoridade vão aos poucos sumindo. A sua fala impotente, prepotente
a presenteia como a impotência da mudez. A falta da voz talvez faça a existência
da pequenina ficar mais leve. Tenta se acalmar, ainda que com um turbilhão
passando por sua cabaça naqueles poucos minutos em que está acordada,
pós-descoberta. Tem consciência que sua perda é um sintoma histérico, mas que
infelizmente sabe que pode ser tratado por Jesus, um psicanalista, ou quem sabe
até na relação entre ela e sua cabeça. Vai até a janela, sua vizinha tem um
passarinho que canta engaiolado, quer dizer pia, mas com um olhar desorientado
enquanto pula entre dois pedacinhos de madeira sem parar, uma espécie de vigília
despreocupada avisada. A menina não se comunica com o vigilante de asas, mas outros
pássaros parecem fazer esta comunicação através do canto. Pensa sobre o que é a
captura das falas dos bichos para suprir caprichos ou talvez carências dos
seres humanos. Esta carência deve ficar clara dentro da perspectiva dos
pássaros que também enxergam as pessoas através de suas grades, as pessoas do
outro lado presas, sem canto. Ela está nua na janela, enquanto de cima dá a
impressão de que cerca de três moradores de rua ficam a observá-la, ela não sai
do lugar, mas se sente mal por pensar o corpo de uma forma despolitizada,
depois ri e dá de ombros porque não tem voz e, portanto nada de crucifixo, vai
continuar da janela nua, se comunicando com o corpo nu, cheio de voz, barulhos
e sinais, na busca da compreensão dos seres humanos vizinhos que se apropriam
da rua e quem sabe por isso, por estarem fora da gaiola, tem corpo e voz
invisíveis. É como se o grupo e a menina estivessem fazendo um jogo poético de
invisibilidade pela janela. Ela volta pra sala, são muitos sons naturalizados
fora de casa que invadem o espaço e parecem embolar sua garganta, tem vontade
de vomitar um mundo que perpassa pelo seu corpo, um mundo que é intencionalmente
barulhento para não escutar o calado. Está ansiosa para saber como vai ser o
seu dia de muda, desce do seu apartamento e dá bom dia ao porteiro.
Maria Carolina Abreu, 12/11/2014
terça-feira, 4 de novembro de 2014
Coisas -que eu não escrevi- de quando criança
Coisas
-que eu não escrevi- de quando criança
“Maria,
você tá sempre buscando os caminhos mais fáceis”
Na
rua um homem tem um cigarro na mão, enquanto no meio da rua de
frente para o ponto faz sinal pro ônibus vir devagar e os movimentos
das suas mãos ao vento parece tentar indicar onde ele deve passar,
logo depois muito barulho e as latinhas que ele havia espalhado pelo
asfalto eram amassadas, vinha outro e a cena se repetia...
Quando
pequena acho que não tinha clara essa reflexão na minha cabeça,
mas se hoje eu pudesse elaborar uma resposta para tal acusação,
acho que colocaria a culpa em terceiros, como o homem das latinhas
que se apropria da cidade para realizar trabalho.
Tenho
todo dia uma fuga pra minha não apropriação. E talvez por isso eu
escute desde menina como um mantra “Maria, você é muito
lenta”. A minha lerdeza me salvou e hoje posso me encontrar
feliz, mas não sem angústias nos poemas do Manuel de Barros e nos
do Fernando Pessoa. A minha lerdeza não foi apropriada pela pressa
irracional.
A
minha repressão resultou em silêncios incompreensíveis, mas que
hoje tem mais significado de reflexão da fala do que de submissão.
Me ensina cotidianamente a repeitar tempo e silêncio do outro. Me
ensinou escuta e observação. E por explosões veladas, me grita
sobre o desejo de enlouquecer. “Essa aí tem boca e não fala
né?”. A repressão não se
apropriou das minhas formas de comunicação. O silêncio meu deu a escrita.
“Vive
com a cabeça na lua/ Só tem cabeça pra carregar piolho”.
De fato o que eu mais carreguei durante minha vida foram piolhos,
podia colecioná-los se quisesse, mas
se querem saber eles
serviram mais em minha formação na minha relação com as pessoas
de que qualquer outra coisa.
Se minha
cabeça tivesse no pescoço
eu não estaria aqui e o
moço das latinhas seria aos meus sentidos mais uma apropriação de um sujeito pela cidade.
Que
fique claro eu não tenho ideia da estrutura de uma poesia, mas não
tem problema este detalhe certamente (pra mim) é o que há de menos
poético. Tenho um caderno que de poesias de quando era menina, acho
que faltava essa lá.
Eu
me aproprio
de mim, fujo.
A
pressa alheia tentava me acelerar
Eu
lenta, eu tonta, eu lesma
aprendi
antes a gozar
O
mundo adulto não sabia
enlouquecer
São
lentos, são tontos, são lesmas
Achando
que sabem o que é crescer
Em
meio a tantas ordens descabidas
meu
silêncio debochava
do
que chamavam
“de ser alguém na vida”
A
gente “cresce”
a
ladainha se repete
Mas
aprendei sobre apropriação
que sou
tonta, sou lenta, sou
lesma
para permanecer
no meu processo
de
criação.
De
Maria para Maria, 04/11/2014
terça-feira, 28 de outubro de 2014
Serviço Social e a reprodução de uma educação tradicional
Eu tinha sérias dúvidas se publicava ou
não este texto por insegurança ou por receio de não estar sendo ética.
Conversando com alguns colegas fui percebendo que minhas angústias não eram
isoladas, portanto creio que seja um direito essa possibilidade de troca. Que fique claro, este texto não é um ataque aos professores e sim uma reflexão sobre nosso modelo de educação e o que é possível construir coletivamente para que avancemos em mudanças.
Serviço Social e a reprodução de uma
educação tradicional.
Não parto de conhecimentos científicos,
mas de experiências individuais e coletivas. Inclusive por acreditar em outras
formas de saber, através dos sentidos e da observação. Estudei em uma escola,
que ainda que pseudo-progressista, sua organização se estabelecia para
enquadramento, com muitos conhecimentos que não acumularam significado na minha
vida. Entrando na universidade me indagava se seria diferente, mas me deparei
com grades, disciplinas e avaliações, nos moldes de uma instituição militar.
Pensei então se no serviço social esta realidade poderia ser diferente, o que
seria possível desconstruir dentro destas estruturas.
Acabei me frustrando também. Com
mecanismos coercitivos e a sala de aula como espaço pouco democrático e ao
decorrer dos períodos passou a se apresentar como um espaço de silêncio. O
conteúdo das disciplinas me foi tão facilmente esquecido quanto o conteúdo da
escola, eu parecia ter uma grande perda de tempo em certas aulas, de avalanches
teóricas, que tentávamos sinalizar que não conseguiríamos absorver. Depois de
muitas vezes sendo mandada estudar após indagações, com o cerceamento das
possibilidades de troca, passei a me limitar a reproduzir o conteúdo (e nessas
horas eu me saia muito bem) para passar na prova, já que fazem parecer ser o
que realmente importa .
Continuam assim a repetição de velhas
práticas. Enquanto nos são dados métodos burros de avaliação, nos forçam a
encontrar respostas inteligentes (e muitas vezes seculares) como a cola, como
recortar e colar um texto sem ao menos ter lido. Para nossas respostas
inteligentes, é escolhida pelos professores a via da punição para continuarem a
reproduzir métodos falidos. Creio que um bom começo seria perguntar aos
alunos de "porque eles colam?". Optam por mecanismos como “fichamentos”
à perguntar se os alunos se interessaram pela leitura e quando perguntam, ainda
que a resposta seja que o texto é desinteressante, continuam a passá-lo período
após período. Não nos indagam como nos sentimos frente a termos que nos expor
na apresentação dos trabalhos. Pelo contrário cada vez mais essa exposição vira
um espaço de medo, porque é a todo tempo mediado pela aprovação, pelo teste,
por atestado público de capacidade ou de falta dela, é mediada pela autoridade.
Não nos fazem perguntas. Não escutam os estudantes, porque não nos
enxergam.
Me sinto um ser imbecilizado a partir
do momento que o professor sabe e decide o que é melhor pra mim e sequer partem
da rica possibilidade de troca sobre a realidade dos alunos, sobre nosso
acúmulo (em uma perspectiva de história, cultura, território). A única
vez que fomos indagamos sobre o que gostaríamos de aprender (sobre a ementa)
foi no sexto período com uma professora que não é do serviço social, a postura
nos deixou sem reação. As grades são uma realidade concreta do curso.
Claro que todo esse processo de
reflexão não foi simples, o meu CR tem um valor ridículo, mas a única coisa que
é mais ridícula do que ele, é ele servir para qualquer processo de
avaliação, ele separar bons e maus alunos, como se fosse possível existir
este tipo de classificação. Não é fácil pensar todo dia o meu nível de
mediocridade como futura profissional, por muitas vezes negar a sala de aula,
pra ser sujeito da construção da minha formação, por discursos que não pensam o
porque de eu buscar estes espaços, mas punem/pregam de forma discursiva, que os
estudantes que não estiverem naquele espaço, tem grandes chances de não ter
embasamento teórico e se tornarem um profissionais incompetentes. Este
verdadeiro monopólio do aprendizado que determina quais são os lugares que você
pode ter acúmulo e que muitas vezes deslegitimam, por exemplo, os espaços do
M.E deslegitimam o nossos espaços de auto-organização, de nossa autonomia. Seja
lá qual for o motivo me soa uma forma muito autoritária e pouco reflexiva a
presença do CORPO em sala de aula. E eu me pergunto se temos ou não uma
educação baseada na punição das múltiplas formas de como ela expressa ?
Nós não ficamos dependentes ou somos
tutelados quando somos questionados por nossas ações, mas quando não somos
protagonistas das nossas reflexões. Não há como trabalhar autonomia e liberdade
com usuário, se não trabalhamos estas questões na nossa formação. Haverá
continuidade na formação de profissionais que carregarão os valores mais
conservadores, ainda que com nossa formação marxista, se não tivermos espaços
de discussões onde estes alunos possam falar, para compreendermos a partir de
que construções eles partem.
Se não tivermos espaços de troca para
repensarmos nossos valores, nós os carregaremos em silêncio para nossa prática
profissional. Isto só é possível a partir da compreensão de que a sala de aula
deve ser um espaço democrático e isso só acontece na prática se pensarmos
coletivamente em mecanismos democráticos para estabelecermos nossas relações,
se discutirmos as relações de poder . Nos demandam rebeldia frente a esta
sociedade, mas calam nossa rebeldia dentro da sala de aula. Há uma formação de
aprofundamento de discurso, mas não há aprofundamento de sensibilidade. Muitos
professores têm discurso afiado, mas na prática, eles nos mostram que são
completamente limitados de se reconhecerem como profissionais/humanos com
práticas profundamente insensíveis.
É exaustivo dialogar com um professor
para explicar minhas faltas e ser oprimida por isso e que fique claro
isso não significa vitimização, e sim busca por autonomia, por direito de
escolha, porque parece que a única via de educar hoje é nos dizendo o que fazer
e como fazer.
E explicar ainda que minha falta se dá
em decorrência de que o outro espaço que eu estava participando seja teatro,
cinema, discussões, reuniões contemplações me trazem mais acumulo intelectual e
pessoal de que a aula dele ou que simplesmente aquele era um espaço importante
para mim e infelizmente eu tive que me ausentar.
Parece engraçado falar dos desafios do
assistente social como a criatividade, a comunicação, a construção de reflexão
com o usuário. Se eu sequer construo uma reflexão com meus professores, como
posso construir com o usuário? Se eu não me sinto sujeito dentro de sala de
aula, como vou olhar o usuário como sujeito? A minha relação com ele é de
comunicação via discurso? E a comunicação com o corpo, com a arte, com a
escuta? Para a possibilidade de ser criativo é preciso antes de tudo a
possibilidade de um espaço de criação. Nós não sabemos o que significa
criatividade, pois estamos presos a amarras mecanicistas e lineares,
sem expor nossos saberes e experiências. Vamos partir dos vícios das
respostas? As chances de reproduzir o modelo da nossa formação na nossa
profissão me parecem grandes.
Na direção de uma aula, nós perdemos o
nosso controle sobre o processo de nosso próprio aprendizado. As aulas se
tornam uma grande ironia, estudar processo de trabalho, pensar o marxismo vira
uma grande piada em construções nada dialéticas. Se o curso de serviço social
reproduz os moldes da instituição escola tradicional, ele também não
contribui com a nossa emancipação. Eu espero um dia poder viver em uma
sociedade sem manicômios educacionais.
Maria Carolina Abreu.
sexta-feira, 17 de outubro de 2014
Qual é o seu nome?
Quando eu
era pequena assisti o filme Estamira e soube tempos depois que as pessoas o achavam muito
pesado, eu achava esquisito eles acharem aquilo. Pois bem, eu fui crescendo e levei algumas recordações, de
falas, de cenas, tudo me marcou de uma forma estranha. Lembro que ao fim do filme
eu falei pra mim mãe: -Mãe queria comer o macarrão da Estamira. Ela me causava
encantamento, e eu tinha muita vontade de conhecê-la. Até que soube de sua
morte, que me tocou muito. Mas ESTA MIRA tudo vê, está em todos os lugares e me presenteou com uma
outra sábia mulher. A história narrada abaixo é baseada em fatos reais, mas não
se esqueçam: É apenas uma obra literária. Evitem ler lúcidos, segundo a
própria, a lucidez não deixa ver.
Qual é o seu nome?
Não são para muitos o estranhamento com as
gaiolas empilhadas feitas de pedra. Eu faço parte do outro grupo junto com uma
senhora suja que vive no meu andar. Na porta de sua gaiola, existe um batalhão,
que anda meio desorientado sem saber o que procuram, mas que mesmo na
invisibilidade do nascer do sol e do descer da lua, habitam diariamente aquele
lugar. A estratégia do batalhão é genial, pois causa permanente asco no resto
daquela gente que não sofre de estranhamento, garantindo assim, território
livre dentro da gaiola.
De antenas em pé, as vezes alguns se aventuram no vazio branco do corredor,
ousam tentar tirar o juízo dos sensatos que habitam as gaiolas vizinhas. Buscam
frestas, em tentativa fracassada de encontrar luz ou comida. Da minha gaiola
escuto o barulho dos spray's das vizinhas, me causam aflição, me fazem encolher
e querer tapar os ouvidos. A violência daquele ruído somado ao seu tempo de
duração indicam que definitivamente eles não querem matar apenas insetos.
Essa gente que ocupa este lugar se veem, se esbarram, mas não se enxergam. Deve
ser mesmo culpa da lucidez que cega os olhos saudáveis. Nesta invisibilidade,
os sentidos destes, parecem ser rígidos e inertes de expressão, inclusive a
fala. A troca de vozes só acontecem pelas amarras morais da civilização. Dentro
desta exceção de troca, resolvem se reunir, mas suas presenças para fora de
suas gaiolas parecem se camuflar com o aspecto frio e vazio do corredor.
O
ponto central do burburim era solicitar a dedetização da gaiola vazia das tardes com
gente. A gaiola de marcas pretas na porta e pó preto pelo chão. A gaiola sem
tapete. Solicitação da anulação da gaiola que é diferente, que ofusca todas as
outras, ainda que seja a mais oprimida, é como se a defesa da gaiola fosse
sintoma de agressão. Um pouco das narrativas:
-Essa velha só chega de noite pra ninguém ver.
-Mas e os filhos?
-Isso daí tem família?
-Eu não aguento mais
-O porteiro diz que tem lixo até o teto
-Temos que ir todos...
Fechei a porta e fui sofrer como um pássaro sem canto. Não ousei a fala,
palavras tem muito poder (e aquelas pessoas ou não sabem disso ou sabem muito
sobre) preferi responder com o silêncio. Eu não queria que ela se fosse, mas
com certeza não ficaria ali sem sua coleção de objetos que a protegem, sem seu
batalhão, sem sua sujeira para ter anti-corpos suficientes e não adoecer de
sujeira humana. Murchamos as duas, sua presença me atormentava e quando vi,
estava completamente envolvida com a senhora, mesmo que eu estivesse de forma
oculta. Sem ter sido preciso uma palavra trocada, sem precisar vê-la com
frequência, me envolvi angustiadamente com a simples existência de um ser
humano que eu sequer conhecia, mas que precisava por perto para me proteger
também.
Eu queria a elevação através da sujeira assim como a dela e ela foi fundamental
pra essa descoberta. Por exemplo, levei muito tempo para admitir para mim mesmo
que a minha nudez não era suja, não era feia, e não falo sobre essa admissão no
sentido moral, porque no campo do discurso, a nudez me era sempre admissível,
assim como ela é admissível para o mundo quando padronizada...digo no sentido
estético, de encontrar beleza nas diferenças que meu corpo apresentava para
mim, de engolir o nojo do mundo diante das minhas imperfeições que nascem
conosco como se fossem pra gente sofrer.
Toda essa ânsia que o mundo vomita
sobre nós duas se tornou fonte de libertação. A sua presença, ainda que de
andar tímido e arrastado pelos cantos me soava uma grande afirmação que
resgatava minha história, minha identidade. Ela me mostrou o lixo, eu a
respondi com nudez.
De fato não deu outra, ela teve que esvaziar o apartamento, o corredor que até
então era um vácuo se encheu de fantasia e sofrimento. De sua gaiola eram
despejados sacos e sacos de histórias, de armaduras, de guardas chuvas. Ao fim
destas pilhas de sacolas na direção de sua gaiola para a minha, havia e escada
do prédio, onde ela ficava sentada, que coincidia de ficar ao lado de minha
porta. Eu ficava inerte ao encontrá-la, me dava frio na barriga, coração
acelerado, era uma ameaça (querida) pra mim.
Seus olhos cabisbaixos de trapo me penetravam a alma. Olhos que parecem sentir
a dor da vida, que carrega consigo a solidão de nascença. Seus olhos distantes
e misteriosos, me fazem ter dúvidas se são tristes ou se estão tristes por
invadirem, aprisionarem sua gaiola, que até então era a mais livre. Cada frecha
de ar da gaiola, foi vedada. Sua melancolia era tanta, que eu me indagava sua
relação com essa clareza agressiva da sociedade e me pergunta a forma como
vivia lhe causava mais dor ou imunidade.
O cheiro que fugia destes sacos me embrulhava o estômago. O cheiro me perseguia
mesmo quando eu estava longe de casa. Estava impregnado no meu nariz, no meu
corpo, no meu organismo, estava entranhado em mim e não havia banho que o
carregasse, além disso, junto com ele me vinham os olhos de trapos. Para os
outros o odor era ainda mais insuportável, pois era cheiro de uma realidade que
não cabia ali, de um perfume não-artificial, não-máscara. Absurdamente aquele
fedor passou a fazer parte de mim.
Eu a cumprimentava todas as vezes que a via e era a única que fazia do meu
andar, eu perguntava se estava tudo bem e ela sempre respondia que mais ou
menos, de cabeça baixa, com seu belo vestido de pano que parecia com seus
olhos. Um dia eu falei que se precisasse de algo ela poderia pedir, era só
tocar ao lado, ela levantou a cabeça e agradeceu.
Esse foi um grande passo pra mim, que sempre ficava paralisada em seu encontro,
conseguia entrar no caminho sem rumo de suas expressões, quando falava com ela,
mas nos comunicávamos também com o silêncio de nossas posturas, com corpos
abatidamente curvados. Eu fantasiava nossos encontros e imaginava um monte de
versões para sua história, eu queria escutá-la, conhecê-la, queria que ela
dividisse um pouco de seus ex-passos comigo. Sua coragem me enchia de
novas questões e um sentimento de impotência por saber do meu medo de expor a
loucura que já habita a minha cabeça. Eu mesma tranco e prendo o que há dentro
da gaiola que carrego em mim.
O tempo foi passando e os dias foram ficando mais doentes, porque ela partiria
junto com seu batalhão pra outro luga. Em breve eu teria que viajar e ficava a
cada dia mais ansiosa de saber se ela continuaria, ou se na minha volta não
teria mais a minha proteção. No dia da viagem, por um motivo que não me
recordo, estava alegre, coloquei a mochila nas costas, saí de casa, e lá estava
ela sentada. O elevador estava em um andar próximo, eu chamei. Olhei pra ela,
com um sorriso de olhos, dei boa tarde, disse até logo e entrei no elevador,
antes que a porta se fechasse ela me olhou e perguntou: Qual é o seu nome?
Respondi e devolvi a pergunta, ao finzinho de seu nome, a porta do elevador
fechou. Eu viajei, ela foi embora e não voltou.
Eu comecei a escrever esta história pouco depois de nos conhecermos e aos
poucos eu ia preenchendo espaços do texto e de quem o escreve. Mas Quando ela
se foi, levou uma parte de mim, que me impossibilitava continuar a escrever. A
falta que ela trazia parecia me desumanizar, a mim e a todo este andar que
perdera o gosto. Até hoje fico imaginado, sorridente, seu lixo tomando todo o
prédio e limpando toda a podridão das gaiolas empilhadas, enquanto no nosso
canto, a gente observa o vírus da paranoia se espalhar.
Ontem eu regressei da universidade e no outro bloco vi uma senhora que me
lembrava ela e fiquei feliz. Em seguida chegou uma moça e comentou com o
porteiro de forma maledicente: -Ela só chega de noite pra ninguém ver né? Ele
ri e confirma. Ela continua: Dia desses eu a vi subindo aqui. Ele novamente em
um riso cômico-sínico responde: É ela tá voltando a encher aqui também. A sua
existência perto de mim destravou meus dedos para essa escrita, os ombros
curvados de desânimo e apenas por existir provoca a gaiola de minha cabeça:
Quando lutará por liberdade?
Ah, esqueci de um detalhe importante, pouco tempo depois dela ir embora, a
fresta de minha porta apareceu lacrada, tá até hoje, não ouso tocar, apenas
fico muito, mas muito feliz.
Continua...?
Maria Carolina Abreu, Atemporal.
quarta-feira, 8 de outubro de 2014
O vestido
Dia desses deitada na minha cama, com forças que em brincadeira maledicente se escondem, olhava pela janela do quarto o céu... como as nuvens não se mexiam, tampouco a casa, indaguei se o mundo havia parado.
A verdade é que eu transpunha minha inércia para o mundo e o meu vazio para o céu. A comunicação do vazio triste e intrinsecamente egoísta, faz com que a compreensão alheia, com razão, passe bem longe, em posição de indiferença.
Parece ser preciso que nos prendamos em cordas invisíveis para que não haja, o que nessa
sociedade pseudo-lúcida chamariam de surto e essas amarras levam tempo e ocupam corpo e cabeça.
Acho que este é um pouco do motivo que abandonei o blog. Em breve o transformo em um diário piegas sentimental para estar mais presente.
Agradeço ao brilho nos olhos dos amigos de meu companheiro que tive o prazer de encontrar. Não tinham brilho nos olhos quando falavam da escrita, mas fazer a associação entre as duas coisas, me deu muita vida.
Me permito não fazer muitas coisas e fico pensando que se a escrita fosse uma obrigação provavelmente eu largaria, mas o abandono da escrita é uma forma de agressão que eu não me permito.
Espero que vocês estejam com saudade, eu estava com saudade de mim!
Boas ventanias na leitura deste próximo conto...
O Vestido
Finalmente
tomei ânimo para sair de casa, não em copo de água com pílulas,
apenas com o medo do corpo de enrijecer. Saio em busca de uma
inspiração que me dá riso melancólico, já que não dá em árvore
ou no vento. Aliás, ainda que haja um pôr do sol alaranjado e um
leve aquecer nos lugares livres de sombra, há um ventania terrível.
Eu a odeio já que sua única função é o desconcerto. Vou até o
cais, o local costuma concentrar algumas pessoas em fins de tarde e
para mim serve as vezes para a escuta de uma boa história, quando os
ouvidos com cera ou imagens a serem observadas, quando os olhos
fechados não são importantes. Queria eu, que minha criatividade,
corresse como esse maldito vento de hoje.
Hoje é um
daqueles dias que a linha branca do paralelepípedo, no qual eu ando
cambaleando embriagada de realidade, parece desequilibrar o limite
entre a sinceridade e a auto destruição. Saio sabendo que passarei
o dia em convivência com todos aqueles sintomas de histeria coletiva
humana, como: o amor ao trabalho, a monogamia ou a lua, com tudo
aquilo que não é posto em dúvida. Encontrar pessoas que falam o
que querem e escutam o que querem falar. Ou até mesmo aqueles que
ousam a negação de suas verdades, mas que carregam uma contradição
monótona em suas falas incisivas, sem cogitar que essa não
existência também é uma forma de verdade. Analogamente as acabam
por travar diálogos como com seres inanimados, que consomem minha
alma e ultimamente me fazem perder um pouco de vida. Sinto uma
solidão profunda, que não se resume a estar só e sim de não
querer estar na companhia de outras pessoas.
No cais, de
forma rebobinada, o barco parece trazer de volta a seu ventre o sol
que pariu de manhãzinha, isso me traz um pouco de vida, e a
coincidência de só ter mulheres na praça daquela pequenina cidade,
dá aquele vento provocativamente irritante uma espécie de sintonia
em encontro a um rebuliço revolucionário. E para mim, que narro as
cenas destas mulheres, um fardo desafio, já que minha relação com
as pessoas vem de forma montanhosa degradando-se. Observo, com os
sentidos do corpo e as fantasias da imaginação, três imagens:
Suas unhas
ruídas ao sabugo fazem com que suas mãos percam as forças até
para segura sua cabeça que aponta para baixo. A mulher tem o pescoço
turvo com a cabeça pendurada entre as mãos em misto de vergonha e
dúvida. Tem vivido de pequenos surtos. Suas curvas explicitam sua
jovialidade. Ela está em um dilema, pela primeira vez se sente
profundamente feliz com alguém, ainda que esse alguém não firme
compromisso futurístico com ela, que a traia, que não lhe traga
nenhuma certeza do amanhã. A sua cabeça não consegue raciocinar
mais, toda a ausência presente dele lhe causa profunda insegurança
e uma espécie de sensação de depressão cotidiana. Volta e meia
ele não vai dormir em casa, ora porque se perde por pequenos
encantos de outras mulheres, ora porque cai nas tentações da música
e das drogas leves. Leve também ele vai se achegando pra perto dela
e sabendo suas convicções religiosas goza: um dia, se Deus quiser,
você vem para o mundo das drogas também. A jovem sente muita raiva,
mas com um arrepio de graça pelo corpo, já tá acostumada com os
sentimentos contraditórios que ele lhe causa. O sexo é a cada sexo,
o melhor de sua vida, e ela dividida entre lagrimas e gemidos, sabe
que só o é, apenas porque deriva das explicações das traições,
que multiplicam as formas de carinho. Ela o enxerga como as amoras de
seu quintal. Com sua ansiedade do amadurecer das amoras, que no outro
dia aparecem pretas, ela as cole, mesmo sabendo que ainda continuam
amargas. Ele definitivamente não é "homem pro resto da vida",
se é que isso de fato existe, sem que seja por obrigação, mas não
importa. Estar sem ele é engolir a voz, com ele, são gritos
perdidos no vazio. Ela então resolve engolir o choro e o sofrimento
de vez da sua vida. Olha no relógio e o ponteiro marca seis da
tarde, não pode se atrasar, vai encontrá-lo e contar sua decisão.
Ele já a esperava no portão com sorriso cínico e com cheiro de um
perfume feminino qualquer. Ele pega o violão encostado no muro e
antes que a voz dela ecoe, ele canta e toca a poesia que lhe fez de
presente.
Onde já se
viu uma mãe sair com seu filho em plena ventania? Este é o
cometário geral da cidadezinha. Ela sente os cochichos e caras de
reprovação pelo seu desleixo. A viseira das tradições lhe traz
angústia e uma impotência que se parece como quando estende lençol
de elástico no varal. Em meio a tensão que comprime seu corpo no
banco da praça, ela precisa disfarçar o enorme prazer que sente
pelo chupar do seu peito pelo seu próprio filho. Seu inquietamento é
mais que visível e forma nas redondezas uma espécie de torcida
organizada à um surto clássico, para que o mais rápido possível
essa insensatez fosse isolada bem longe. A moça resolve levantar-se
com o filho no colo, e tem um andar meio desorientado por seus pés
aéreos. Não importa, já que o que nos derruba é a vista
distraída. Vai em direção ao muro do cais, onde as ondas se chocam
a ele violentamente. No curto caminho sente uma dor que se estende
até a ponta dos dedos pelos julgamentos alheios que tiram-lhe a
força, força essa, necessária para que seu filho propositalmente
não escorregue por suas mãos. Seus olhos castanhos tem um lacrimejo
que não se sabe bem se é culpa do vento ou da tristeza. Encosta a
barriga no muro, ergue os braços e levanta seu filho em direção as
ondas, que neste momento estavam mais mansas. Há uma tensão, junto
a uma inércia proposital geral. Mãe e filho se olham profundamente,
e o filho ao ser suspenso pela incerta tremida mãos da mãe, olha a
fundo seus olhos perdidos e do alto, imóvel, solta uma deliciosa
gargalhada, que misturada a aquele vento, parece um grande deboche da
vida.
A senhora
sorri de lado, como se houvesse um espelho imaginário em sua frente,
onde fosse possível o controlar do local de cada ruga no movimento
de cada traço de seu rosto, o que não era nenhum desafio para ela
que passou cinquenta anos casada. Seus olhos miram sua casa, mas
parecem atravessá-la, estão imóveis, mas desatentos. Ela veste um
vestido floral com um decote descosturado, ainda por terminar, nos
lábios finos veste um batom de um rosado antigo. É sem dúvidas, a
imagem mais bonita daquele lugar, que parece entrar em fusão com a
luz mais bonita do dia que paira sobre seu corpo senil, mas forte,
uma espécie de soberania serena. O vento joga seus cabelos não
muito longos a chibatadas em seu rosto, mas ela não se mexe, é como
se estivesse em uma profunda contemplação. Ainda que com
consciência de seu deslumbre sem se importar com a vaidade. Seus
olhos correm para o canto e acompanham a ambulância que estaciona em
frente à sua casa, os enfermeiros descem do veículo, entram na
residência e saem minutos depois com um homem estendido na maca...é
explicita a busca dos profissionais por sua mulher para que pudesse
acompanhá-lo, sabe como é, cidade pequena todos se conhecem,
consomem a vida um dos outros. Mas não havia nem sinal dela, apenas
do outro lado da rua, uma divina senhora, que continha agora o ultimo
raio de sol iluminando sua boca, dando uma coloração mais viva ao
tom de seu batom envelhecido, mas nunca antes vista por aquelas
bandas. Ela fica ali mais alguns minutos, espera que o carro vá, em
seguida cruza a rua, entra na casa e fica nua. Seu vestido que nunca
pode usar ficara lindo com os botões pregados. O travesseiro marcado
por suas unhas continua no mesmo lugar.
Meu corpo
vazio foi preenchido por aquele vento ousado, que sem pedir licença avançou pelos meus poros, trazendo junto a ele, todas aquelas
histórias que se entranhavam em mim. Me levanto pra voltar pra casa em
direção oposta a ele, que briga com meu corpo, mas carrega meus
pensamentos pra um espaço desconhecido, escancarando pra mim, agora
sem grandes resistências, que a natureza, responsável por nossa
existência, traz a grandeza do absurdo dentro de nossa
insignificância.
Maria Carolina Abreu.
quinta-feira, 25 de setembro de 2014
Bolhas de água sem ar.
Bolhas de água sem ar.
Sofria de uma sede insaciável, que dava falta de ar, como um corpo sem ventilador.Pela janela observava uma mala em cima do teto do ponto de (ônibus) em movimento, o aperto da mala em sintonia com a liberdade da queda. Se a mala tivesse aberta conseguiria respirar? De noite se revira na cama na busca de uma posição que lhe deixe respirar, em um contorcionismo de suplicio para que o invisível lhe toque o corpo, na possibilidade de se acalmar.
Nascer humano traz a falta e um sistema nervoso. Por essa condição de humano, pressupõe-se castração. Educam o amor, que naturaliza-se. Em algum momento sua fragilidade já virou agressão? Se procura no espelho, e narciso, talvez não fosse idolatração, mas busca. Ninguém que se não o outro é capaz de vê-lo, no sentido de sua integralidade de sentidos. Essa talvez seja a maior perversidade -(HUMANA), humana,no sentido romântico da palavra. Se pudesse sair de si e se ver, liberta de si, encontraria ar?
Vai a praia, tentar matar a sede, se aventura nas ondas e leva uma sequência de caldo, a experiência traz um monte de sensações confusas, o cabelo que embola em seu rosto parece compactuar com aquela água marrom agressiva que que invade os buracos de seu corpo em busca de acabar com seu ar. Teria encontrado o ar agora? A convivência com sua existência é quando nos falta?
Se afastando daquele turbilhão de movimentos da água. Boiou e saiu com fraqueza do mar. Passado o susto, recordou-se do seu filtro com a água que não mata sua sede. Se sentia como o copo, que dizer, como a bolha do copo da água que faz movimentos bruscos, ainda que aparentemente singelos, descendo e subindo eufóricos e sufocados, que quando chegam a superfície viram hegemonia da substância. Seu corpo tocara finalmente o invisível?
Então indagou um absurdo: Será que já houve alguma pessoa, apenas uma no mundo, que ao levar um caldo, tenha sentido um minuto de prazer? Em cima do ponto de ônibus tem uma mala fechada, embaixo, uma pessoa que não respira.
Maria Carolina Abreu, 25/09/2014
domingo, 21 de setembro de 2014
Xeque mate literário
Xeque mate literário
Agora ele inventara de jogar xadrez. Não haveria de existir ideia pior, já que se trata de um jogo tão traiçoeiro quanto eu. Eu não lido bem com jogos em geral. Minha mente libera substâncias que me fazem ter nó de perversidade na garganta e exalar um odor que fede a superioridade. Se seus olhos enxergam jogadas, mas são cegos ao meu desequilíbrio, terá que lidar com as consequências. As casas igualmente pintadas e distribuídas não significam nunca harmonia, nem sequer igualdade.
Saio de casa, já que no jogo, com a minha mente lenta, não consigo expressar o meu desejo de massacre em revanches. Trabalho o jogo, ridicularizado por mim como entediante, em revide ao outro extremo da monotonia, com a excitação do meu corpo com outros adversários.
Marco com um amigo. Conversamos com palavras mecânicas, como as jogadas para avançar; o lado oposto nunca é despretensioso e isso me traz um ódio por fragilidade. Ele me convida para sua casa, ao chegar, entramos no tabuleiro e iniciamos os movimentos. Ele começa o jogo e é profundamente previsível quando segura a minha cabeça e começa a passar sua língua pelo meu pescoço; o peão anda duas casas. Eu o afasto de maneira dengosa, encostando a cabeça no ombro, em uma simulação real de um arrepio que percorre o meu corpo; o peão anda uma casa da ultima fileira do lado esquerdo,em combinação de timidez e astúcia, que prepara o espaço da presa de forma silenciosa. Suas mãos tendenciosas em movimentos rápidos começam a arrancar a minha roupa enquanto sua boca se aproxima de minha barriga; bispo se alinha com o peão. Eu nua dou um passo para trás até encostar a parte de trás das minhas cochas na cama; avança o peão uma casa do outro lado, na ultima fileira, como observador, que envolta quem se aproxima. Sou empurrada pra cama e ele se posiciona por cima de mim, em uma previsibilidade patética de avanço voraz, como se em algum dia isso houvesse representado qualquer tipo de ameça para quem ri cinicamente por baixo; rainha anda duas casa e para na frente da casa inicial do bispo. Eu, como disse anteriormente, estou rindo de forma debochada; avanço com qualquer pião. Acontece a penetração; Xeque com a rainha. Eu a como com meu rei, com uma vontade, mas tanta vontade, que seu bispo não demora nada a chegar, que faz com que ironicamente seu corpo termine mole, fraco.
Eu venço os jogos de forma invisível e cruel, em uma auto destruição de uma auto impotência esticada ao rei que goza de um ataque a parte humana da cabeça do adversário que falha quando se concentra na estratégia.
Chego em casa de noite, beijo o meu namorado, pergunto como foi o dia, e ainda úmida entre as pernas, exalando um odor que fede a poder, de jogo ganho, o convido para mais uma partida de xadrez.
Ele tem um jogo, eu tenho um corpo.
Maria Carolina Abreu, 21/09/2014
sábado, 13 de setembro de 2014
Aguçando os sentidos para acabar com o método
Bem vindos ao meu quintal. Essa poesia desformada me faz carinho. Bom devaneio.
Aguçando os sentidos para acabar com o método
Deve demorar uma vida para se formar, cursa poesia. Divide com a solidão para dobrar a impossibilidade do ócio. Ao se olhar nua no espelho, só enxerga traços disformes. Tem dúvidas de sua existência. É feita da lentidão do bater das asas de algumas garças na escolha de um galho. Seu corpo acaricia os insetos, que nele resolvem explorar. Seu abraço assemelha-se o agarrar das abelhas nas flores, trepado, como de corpo inteiro. Pela noite, empresta seus ouvidos às angustias dos mosquitos que zumbem em seu entorno. Para se esquentar enrosca-se no cochicho do mar. A dança é inspirada nas pontas das folhas do coqueiro. E em raridade, quando sem preguiça deseja pensar, faz como os pássaros que brincam nos varais e se dependura de cabeça pra baixo. Tem brigas terríveis com o tempo, para afirmar sua ambiguidade, de ser metade casulo, metade borboleta. Tem gosto de vida em banho marasmo, como um cochilo na rede.
A começar pelo existir, começou a entendê-lo enquanto admirava um homem que pescava em cima do telhado do barco, o distante entrava em seu olhar. O diálogo com o silêncio lhe ensinou escuta. Movimentar-se o corpo, observando o balanço das árvores finas. O sexo, com as pequenas marolas do rio, que se atravessam de todos os jeitos e direções. Sem asas, com as aves, descobriu que pode voar. Por vezes, põe dedos e objetos frente aos olhos, assim garante as imagens. O ver vem com os sentires.
Encontra o amor no sabor do cheiro das ervas viradas fumaça, quando se tornam chá. Na delicadeza dos grãos de areia, escondidos nas dobrinhas das conchas curvadas, amedrontados pela imensidão do mar. No russo dos corpos das crianças sujas, imundas, que provam assim, sua ultima aventura e logo depois fogem do banho como mais uma de suas brincadeiras.
Descomprrende o mundo como uma criança, às vezes corre até o desequilíbrio, brinca de mistério, procura funções na fuga do risco do tédio, enjoa rápido, faz por distração e tá sempre caindo. Em tempos de obrigação empaca, injuria-se. Encara a vida, como uma peça de teatro, se não há critérios para ser gente, além da cara, que sejam todos personagens e o resto cena. Assim pode-se viver e sorrir.
Sofre feliz juntos as miudezas, as tardes laranjas introspectivas. O vai e não-vem da lagoa, que passa despercebido aos distraídos. As estrelas mais apagadas, quase imperceptíveis no céu. As pernas zebriadas das aranhas. O carinho do fim da tarde, feito pelos raios de sol. Dispensa os excessos para ir de encontro à invisibilidade da beleza.
Que é o amor senão a simplificação da vida?
Maria Carolina Abreu, 22 de fevereiro de 2014.
quinta-feira, 11 de setembro de 2014
Vocês hão Eu ar
O que é antipoesia? “Um tapa na cara do presidente da sociedade de Escritores”
O que é um antipoeta? “Um sacerdote que não crê em nada”, “um bailarino à beira do abismo”, “um vagabundo que ri de tudo, até da velhice e da morte”.
(Nicanor Parra)
Como narrei na primeira postagem deste blog, na "apresentação", quando eu era pequena escrevia. Escrevia poesias. De repente quando ninguém esperava, eu pegava papel, caneta ia pro canto e voltava com uma surpresa. Talvez fosse uma forma de expressar o silêncio, onde as pessoas não entendiam suas palavras. Cheguei até ter grande entusiasmo para publicar um livro, ganhei um concurso de poesia na escola, com uma poesia profundalindamente piegas...mas não sei quando ou porque, em algum momento acabou... Os anos se passaram e mais uma vez precisava me expressar com o corpo dentro das palavras. Resultou nos escritos que vocês vêem acompanhando. Mas nunca poesia, pelo menos aquela que se parece poesia. E hoje aconteceu algo inesperado, como a surpresa de minhas poesias quando pequena, na diversão de brincar com as palavras, foi saindo algo parecido com o que é nomeado: poesia!
Ela seria introduzida a partir de algum personagem de um próximo conto, o que tinha como principal objetivo passar a responsabilidade da tolice que escrevi para terceiros. Mas meus personagens tem lá sua personalidade e seus limites comigo, foram duros e não admitiriam tal absurdo.
Eles tem razão, que eu arque com a responsabilidade. Divido com vocês um dia importante em minha breve história de escritora fracassada. Se for possível, bom poesiAR!
Vocês hão Eu ar.
Deus os livra
Eu LIVRO
Vocês creem
Eu CRIO
Vocês céu
Eu PÁSSARO
Vocês penam
Eu PENA
Vocês Sacrifício
Eu ício
Eu ÓCIO
Vocês foram
Eu VÃO
Vocês remédio
Eu MANIPULAÇÃO
Eu POESIA
Vocês punição.
Maria Carolina Abreu, confuso dia 11/09/2015
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