quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Esquisitices

Oi, hoje viajo, por isso ficarei um tempo sem postar.
A real é que antes disso gostaria de compartilhar com vocês um pouco sobre minhas esquisitices. Aposto que vocês também devem ter, não é mesmo? Dias desses tomando café com um amigo conversávamos sobre algo estranho que temos em comum, o da observação de pessoas "aleatórias", imaginando, suas relações, suas histórias e acho que a possibilidade da imaginação chegar a vida dessas pessoas é elemento fundamental para a escrita.  Aproveitando o gancho, essa conversa me fez repensar mais esses a-normativos costumes e me recordei do filme "O fabuloso destino de Amelie Poulain".  Me desculpem se eu estiver surtando, porque assisti esse filme faz muitos anos (lembrando que eu só tenho vinte), mas acho que há uma cena em que durante a espera do atraso de alguém, ela ficava imaginando várias tragédias, o que é um outro hábito meu, onde o trágico é misturado com o cômico e termina de forma simples com a chegada dos impontuais por qualquer motivo tolo. Agora dentro da minha lista de esquisitizas, vocês contribuem com mais uma. Eu ganho horas da minha vida pensando em vocês, as visualizações do blog me deixam inquieta me perguntando se são visualizações ao acaso? quem são essas pessoas? como elas enxergam o que eu escrevo? O que elas escrevem ou gostariam de escrever? E a vida delas? Que prazer em escutar histórias...E as visualizações dos outros países, como EUA, Polonia, Portugal...? São brasileiros que se mudaram pra lá? Socializam com os amigos? O que eu poderia conversar com cada um? São momentos do meu dia de uma alucinação que faz minha cabeça rodar e rodar e rodar...

Os escritores que eu admiro e que mandei mensagem nunca me responderam, talvez porque sejam muito ocupados ou recebam muitas mensagens ou talvez porque não liguem....Fico horas refletindo se é possível ser alheio as pessoas, mas ser bom escritor. A minha escrita é toda minha possibilidade de exposição da minha sensibilidade. Fico me perguntando: "Até onde as idealizações tem carne, alma, até onde as idealizações são humanas?"

Desafio-os a me responder, meus emails: carolrabreu@hotmail.com/carolrabreu123@gamil.com para os que não são cadastrados.

Obrigada preencherem em mim, mas um pedaço de estranheza. Os espero mais perto! 





segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Não sou uma só, nem uma sempre


"Eu sou burguês, mas eu sou artista"
(Cazuza)









Esse é um dos meus textos que traz de forma mais explicita minhas angústias cotidianas. O que me move é a busca por um conhecimento profundo sobre minhas próprias contradições. O Cazuza nesta música, acho que traz um pouco isso, apesar de não saber exatamente a profundidade do que ele queria dizer. Segundo Karl Marx, eu não sou burguesa porque não tenho posse dos meios de produção, mas no mínimo uma pequena burguesa e de alguma forma, por ter crescido e ter sido formada por marxistas isto permeia minha vida. Em misto eclético de questionamento sobre poder, politica, liberdade, privilégio, individualidade-ismo, autoridade, subjetividade e etc apenas busco me perder. 
Faz pouco, disse um amigo meu algo que muito me/eu contempla: "me ocorreu uma potencialidade própria da sua escrita, algo que ela tem de especial. Como você é capaz de discordar de si e contrapor, justapor, inverter, etc, etc, isso dá margem para criar personalidades. Maria A discorda de Maria B e de Maria C..." E é só isso.


Não sou uma só, nem uma sempre

Ao contrário das pessoas que estão sempre por completo, que são por inteiro, dispostas a se entregar e a qualquer momento se jogar do abismo para sustentar o fetiche da liberdade, me apresento como contrário, não como alternativa, simplesmente como o oposto a intensidade. Ponho meus problemas ao centro do universo, reflito, e os diminuo, justificando-os como  tolice intrínseca a juventude. Condeno o pensar, por gastar o tempo do fazer. Não encontro sentido no agir, minutos depois gozo do ócio e após o destruo. Generalizo, relativizo. Inércia reflexiva, trabalho produtivo. Realidade concreta ou cabeça quadrada? O imediatismo das regras é excludente e anulante diante das tentadoras exceções, não importa. Coletivo vem sempre antes de individuo. Observo o micro, a hegemonia é entediante e encaixotada. Crucifico, no olhar de vitima, ironizo como sujeito. Sofro pela avaliação, que se materializa sempre em um atestado de incapacidade, mas a possibilidade de mudança, acelera o crescer. Nunca reclame de oportunidade. Amo tudo até cair no vazio, tenho repulsa do amar. Perda de sentido vira descontrole. Sou sufocada pela coerção, descubro que a coerção não é possibilidade para todos, sufoco se torna piada. Sufoco tem duplo sentido. Egoísmo. Dar repostas exaure, mas massageia o ego, que aconchego um mundo sem explicações, que humilhação um mundo sem vaidade. Humildade e arrogância, não se contrapõe, mas firmam contrato. Nojo e angustia de aprovações, mas silencio pelo privilégio. Autoridade da fala massacra o interesse. Mas a fala se tornou autoridade, depois de ser massacrada. Reprodução da opressão, revide justificável. Pressa se justifica na sensibilidade ou na necessidade. Ela se justifica quando atropela o tempo do outro, que é claro, vive de mimo. A cabeça pensa no tempo que não é determinado por si? somos pobres de invenção, olhamos para as barrigas sem a capacidade de imaginar o que pode existir de gostoso dentro dela, como uma cobra que engole um elefante. Sacrifício. Ninguém sabe ao certo para quem é, por escolha, o chão gelado e ao fim não importam as consequências, nunca será bom o suficiente, ou se for, será bom  demais ao ponto de não ser humano. Exclusão e reverendo submissos ao julgar. Sobrecarga de  exposição que não sobrevive sem a abstração. Elaborar a auto evaporação e na primeira oportunidade extrapolar os vícios. Oscilação. Sou dúvida, contradição, sou metade.

Maria Carolina Abreu, devendo data.




domingo, 24 de agosto de 2014

O ambulante que lia a menina

O primeiro conto tem a sorte das sutilezas...Como escrevi na introdução, minha escrita não ultrapassa as reflexões cotianas. A  ideia deste conto surgiu quando eu estava no Museu de Artes Modernas (MAM) e de repente me apareceu um sábio simpático senhor...





O ambulante que lia a menina 

De frente para os barcos, a menina redescobria seu prazer em estar sozinha. Sentia a brisa em seu rosto, e observava tudo. Por mais avoada que fosse, suas percepções eram dignas dos bons drogados. Em seu colo, uma delicadeza, uma caixinha, que dentro continha um pequeno livreto de cartas de amor. Os seus olhos diminuíam, como se pudessem rir, função que geralmente é dada a boca.  Ela gostaria de ficar em pé, e compartilhar todas aquelas coisas estranhas a si para todos e qualquer um que passasse. Mas a tola, adoraria fazer isso, de uma forma invisível, por isso não o fazia. Faz tempo, alimenta um desejo secreto de voar. Mas de voar em escondido, que assim, é possível que ninguém repare. 
O que mais a chama atenção é o desejo de queda. E que Deus me livre, é queda sem morte mesmo, só queda. Ela acha engraçado, as pessoas que se seguram nas coisas quando passam perto de sacadas ou aquelas que nem passam. Então ri e fica encucada, questionando-se se aquele desejo, talvez seja o de todas as pessoas também, a contradição entre o medo de cair e a vontade de dissegurar. Mas voltemos a sua cabecinha de vento e os vários livros no qual ela lia e se perdia e sorria e se esquecia. Inquieta, deitava, sentava e por vezes, se consertava.
Ao seu lado um ambulante curiosava-lhe. A olhava de um longe meio perto. Sua presença no local deserto, parecia sem um tanto de sentido. Mas ele jura de pé junto que está lá aos sábados. Com cara de sedentário, não era possível distinguir se o senhor era pai de família ou um solitário qualquer. A única certeza que pairava naquele ar, parcialmente limpo, era que todo aquele silencio incomodava. E muito. Ele queria conversar, assim como todo bom sujeito e a menina mesmo se perdendo em linhas, com um rabo de olho atento e aguçado, sabia disso. E por isso, como de costume tentava sempre transformar a agressividade da voz em aprendizado.
A menina estava levemente bela. Isso mesmo, ela não era bela. Definitivamente, sua beleza é estado de espirito, ocorre algumas raras vezes e pode acabar em segundos, basta estar em um local com muitos espelhos. Porém aquele ser estanho, aquela pessoa exotérica, como seria chamada mais tarde, devia trazer algo de instigador, pois sempre havia alguém rondando por perto, pronto pra puxar assunto.
Então o ambulante se aproxima: "O tempo tava feio, por isso vim pra cá, mas tá limpando. Já que não vai chover posso voltar pra jogar bola". A imprevisibilidade da frase, fez a menina levantar a cabeça e só mais uma vez confirmar a barriga redonda e os cabelos brancos daquele homem. Então o moço continuou:-Você gosta de ler? A garota, de forma até que doce, reponde que sim, ainda presa ao livro. Porém o silêncio também lhe causa angustia, então devolve a mesma pergunta. E ele reponde: -Eu também gosto muito. Gosto dessas lojas de livros velhos e mais ainda, desses ambulantes que espalham um monte de livros pelo chão. Li sobre muita gente, mas o personagem que eu mais gosto é o Gandhi. Li também sobre Hitler, ele era um cara inteligente, mas usava sua inteligencia pro mal e o Gandhi pro bem. De qualquer forma, acho que o primeiro imperador da China foi bem pior que Hitler, fora o César também. Fez uma pausa, e deu uma risada baixa, como se soubesse muitas fofocas a respeito do imperador, e disse num tom de voz médio: - Mas isso deve ser mentira. Voltou então a concluir o raciocínio: -Hoje em dia nós nem temos tanta gente ruim assim, ou melhor, ainda temos muito, mas comparado a antes...
A menina não tinha ideia de metade das coisas que ele falava, em partes porque tem um deficit brutal em relação a história. Se perde tanto, se enrola tanto, se envolve tanto com o que não faz sentido pra ninguém, que até hoje não sabe quem foi o primeiro presidente do Brasil.  Não importa, ela não queria histórias verídicas, queria mesmo, era a diversão do teatro que se formava a sua frente, mesmo desconfiando do romantismo de cada palavra.
O dono das jujubas, gostava mais era de contar as passagens do pacifista, essas que são ricas, mas que tem um leve odor de auto ajuda. Falou uma que fez os olhos da menina ficarem atentos. A passagem do açúcar. Começa a contar:-" A mãe chega e pede um conselho ao sábio. Gostaria de saber como fazia para o filho parar de comer açúcar e o mestre a pediu para que voltasse em dez dias..." Nessa hora, ele, que não era mais senhor, nem comerciante, nem jogador de futebol...ele que havia agora se transformado em um grande contador de história, fazia uma pausa proposital dando tempo para que as cabeças pudessem imaginar e sonhar com o fim, que ele mesmo contaria. Terminou a história.
O ator que se satisfazia, com uma só interlocutora, criava as mais diversas histórias, recriava a história de vida de todos personagens, e quando percebia que ela discordava, com aquela cara feia inescondível, como bom contador, ele remediava. Por vezes, por educação, dava meia volta e dizia que não queria incomodar a moça na leitura, mas antes que a deixasse abaixar a cabeça por completo, ele vinha com mais uma de suas fábulas. Parecia que os dois tinham um pacto, sabiam que não se incomodavam e que havia um limite ali. Haveria uma hora que ela ia de vez abaixar a cabeça e ele respeitaria.
E assim o fez, o silêncio já não era grande incomodo pra nem um, pra nem outro. Por fim, ele deu uma olhada no livro que ela lia, queria saber se estava pelo menos na metade pra saber se ela não lhe contava a história. Ela achava graça do bobo não perceber que o dom da contação era pra poucos. Ele virou as costas desejou boa leitura e disse que traria um livro no próximo sábado, só por dúvida mesmo. Ela desejou bom futebol e disse que voltava para contar a história, e sem nenhuma dúvida, esse era mesmo  o seu desejo. Mas ela sabe que nunca volta, pois tá sempre se perdendo por aí.
Isso a deixava angustiada e sabe-se lá de que forma, aquela pequena criatura expressava esse sentimento, com o corpo, com o silêncio ou talvez com os dois. Não era algo visível nem pra ela mesma, mas no entanto, acarretou uma ultima resposta inesperada: -Mas a gente se encontra por acaso, não se preocupa não, porque tudo que é imposição, é ruim né?
        Nessa hora a menina já sorria com o corpo inteiro e por isso se apaixonava pela vida e por isso, somente por isso, nesse momento estava bela.


Maria Carolina Abreu

sábado, 23 de agosto de 2014

O câncer da burocracia


"Oh burocratas, que ódio vos tenho 
e se fosse apenas ódio
é ainda o sentimento da vida
que perdi sendo um dos vossos."

(Carlos Drummond de Andrade)


Prezo muito pela voz das imagens e nesta postagem tenho um grande problema, pois não passou nem uma peça ou filme pela minha cabeça que pudesse ser vinculado com o texto, apenas me recordei da bela poesia do Drummond, que diz muito sobre o mesmo. Este foi o meu primeiro conto longo, que aliás, torço muito para que secretamente vocês não tenham preguiça de ler. Eu o mandei para um concurso de contos e como escritora fracassada não fiquei nem entre os vinte primeiros...aposto que na banca só tinham burocratas (risos).Brincadeiras a parte, para finalizar, estou me surpreendendo com a quantidade de visualizações, mas tenho sentido falta da participação destes "expectadores-escritores", que inclusive podem me ajudar com indicação de peças ou filme ou idéias ou qualquer tipo de troca. Boa noite e sonhos libertadores, se preferirem, a todos.







O câncer da burocracia

            Seu canto finalmente encontra sentido...É o pássaro mais belo. De todos, o mais livre. Mesmo com os mais perigosos rodopios, indo o mais distante que consegue, nunca se sente liberto o bastante. Enquanto todos vão a favor do vento, ele vai contra. Subiu o máximo que podia. Corpo de angustia por uma falta que desconhece em busca do infinito. Nem um rio inteiro, conseguiria matar sua sede, a incompletude não cessa. Tudo não é o bastante. Acabaram-se as forças. Na imensidão do céu, o pássaro perde a voz, sufocou-se com o peso da liberdade. Desacordou, queda livre despropositada. Acorda na gaiola. Está preso e feliz, inadmissivelmente feliz, enquanto preso.
            O velho desperta suando, desorientado, não admite que o sonho se resuma a sua aposentadoria. Abaixa a cabeça, e da espinha aos dedos das mãos sente um arrepio de dor, treme de solidão. Escorrega deprimido pra debaixo do lençol. Quer matar-se. Mas burocratizou-se demais para cogitar suicídio. Seus olhos estão secos, a anos não chora. Arrasta o braço até à cabeceira da cama, tateia o maço e acende um cigarro.  
            Fica tempos imobilizado e depois começa a se contorcer com a quebra da rotina, com a improdutividade dos segundos que se passam. Não há a quem recorrer. É macho e bem resolvido demais para procurar um analista. Não tem ninguém. Em seu trabalho não alimentava relações, para sua auto afirmação, travava as pessoas de forma a humilha-las e expô-las satirizando e acusando-as por incompetência. No fundo, crê que as despreza. Não aguenta suas vozes, suas conversas e as risadas lhe dão fadiga. Em raridade quando sorri por boas maneiras, segundos depois torce o nariz. Nada lhe traz interesse.
            Recorda-se de um ocorrido importante... Em enterro da sua mãe, secretamente sentia um grande alivio por ter uma responsabilidade a menos, sentia leveza pelo tempo que agora teria de dedicação aos seus papéis e ao ofício da repartição. Sufocava-o o dever de ter uma mãe. Ao fim, quando dirigia para casa, sorria por se livrar da obrigação, estava contente, enquanto sonhava com a garrafa de vinho para sua discreta comemoração. E na noite deste mesmo dia dormiu de forma profunda como nunca havia antes. Diante de tal lembrança que lhe percorria a cabeça, se sentia o mesmo, nem dor, nem remorso, apenas o vazio de não sentir, que lhe causava uma leve perturbação.
            Seu ego tá abalado por sua invisibilidade diante do mundo, sua frieza é quase dispensável. Teatra uma tragédia, ainda, que tenha dúvidas se não caminha à fuga de um desespero real.
            Assim, consegue levantar-se. A hora avançara. O relógio de parede marca quatro da tarde. Decide abdicar dos cigarros pelo resto do dia. Não abre mão das garrafas de vinho. Delírios em líquido ajudam a diminuir o desencontro com o tempo. Seu discurso de ser-sozinho, tá esfalecendo ao chão. Vai novamente para horizontal, mas dessa vez cai no tapete, procurando pensar o futuro inexistente. Sensações estranhas lhe correm o corpo, mesmo fixo ao chão, sente pequenas quedas, como o assusto dos cochilos leves. Até então só vivia de compreensões e certezas. Sofre com as dúvidas ebulidas. Se enrosca ao pano aveludado e jura nunca mais se mexer, além de muito confortável lhe serve como proteção à vida que passa sem sentido na rua. Madeira, moldura e maçaneta escancaram o correr do vento, do céu e do asfalto que já não cumprem mais suas funções, tirando-lhe assim qualquer possibilidade energética, como fuga a apatia.
            Está velho demais para continuar a encenação, para além disso, o seu palco ausenta expectadores. Fica de pé e decide que pelo menos tentará ser útil a si. Lida tão serenamente com a perversidade, que decide compreender o abismo entre sua natureza e suas escolhas, a descoberta do que pode ser mais doloroso: sua insignificância diante da humanidade ou se sua própria falta de humanidade.
            No dia seguinte, acorda e arruma a mala, segundo os livros de autoajuda, nada como uma viagem a um espaço bucólico para ir de encontro ao seu eu. Se dirige à rodoviária... e é claro, não toma coragem para ir a lugar algum, a não ser, sentir mais vontade de retornar a sua residência... Mas acontece algo inédito, ele se permite a inércia de observar, enquanto tenta uma auto compreensão.
            Observa reflexivamente as cenas que se passam na rodoviária. Primeiramente: Dois meninos despem os pés, e movimentam o corpo, tocando um para o outro uma bola invisível. Em sua mente, lembranças são desencadeadas, relembra seus dias de trabalho, do momento em que saía de casa, até o bater do ponto no serviço. Olhar, ouvir, ver, escutar de detalhes nunca lhe teve importância. Nunca se deparava com dias distintos, eram como engrenagens automáticas. Dissertava: "Há o que contribua mais com o mundo que a ociosidade da observação. Estou certo, que a lentidão de fato, nunca serviu. E que nem haveria de servir, ora. Sua existência na contra mão, se deve a pressa que se tornou burra demais para ser produtiva e isso com certeza dá um baita de um prejuízo". Em seguida, cortava bruscamente o devaneio. Abaixava a cabeça, e não deixava os olhos desviarem da mesa, existia um prazo para trabalhar. O relógio marcava seis da tarde e a meta do dia ainda nem havia sido atingida. Quando acontecia, fazia hora extra, trabalhava dobrado. Em lugares como esses, a maior abundancia é de cafeína. Não se chateava. Em sua mesa, virada para janela, a distração do trem que corria diariamente, nunca obteve sua atenção.
            O ar passa espesso demais por sua garganta, como se propositalmente bloqueasse sua respiração. Presenciar o que passava diante de seus olhos, lhe fazia de maneira dura redescobrir a imaginação, de quando garoto, perdida em meio às paredes e ao seu trabalho mecânico, pobre, repetitivo, que não lhe permitia o interesse da criação sem a busca pela excelência. Enfim questionava-se, pela segunda vez: será que aquela papelada empilhada fez algum sentido durante todos esses anos? Da primeira vez que se fez a mesma pergunta, foi vítima de uma peça pregada pela memória ou talvez pelo excesso. Certa vez ao chegar em casa sóbrio de rigidez, embriagado de álcool, foi fingir ser investigador, estava tão descontraído que até se permitia tirar sarro de si. Na ocasião teve a ousadia de afirmar que os papéis não diziam nada e, procurando entender porque tanto poder de fala daquelas folhas, sacou uma lupa da gaveta e observou o mais perto que pode à procura de bocas nos papéis, desiludido percebeu que eles não a possuíam. Concluiu que a autoridade não é argumentativa. Vomitou e depois caiu trêbado, no dia seguinte de nada mais se recordava.
            Segunda cena: Ao lado, uma mulher descabelada, do tipo, avoada demais para ser inteligente, com um salto meio desequilibrado, olhos vermelhos de choro, atordoada, andava de um lado pro outro, se dizendo perdida, ela lhe pedia ajuda sentada bem ao seu lado, sua perna despropositadamente roçava a dele, enquanto de forma agitada tocava em suas mãos. Neste momento, seu corpo gritava, tinha desejo, se sentia excitado e tremulo por descobrir seus resquícios de virilidade.
            Seus pensamentos fogem e encontram a Menina Maria. Quando moço conheceu Maria, menina doce, vinda do interior à capital em busca de trabalho, morava em um quartinho tão pequeno, que se assemelhava uma caixa de fósforo. Durante a semana era explorada em casa de família, mas a menina era pura gratidão, ganhava as roupas velhas e usadas da patroa e rodava de felicidade com os presentes. Se envergonhava só em pensar de cobrar as horas extras por ficar com as crianças, pelos jantares até altas horas dos patrões. Mas ora, eles eram tão bons pra ela. Seu único tempo de descanso eram os minutos de almoço que se recolhia na cozinha para comer os restos e aos domingos quando podia encontrar seu amado. Virgem e cheia de vida, sonhava como todas as moças de sua idade encontrar um bom pretendente e ter muitos filhos.
Ele, inicialmente apenas se concentrava nas pernas da menina. Com o desejo de ser homem bem sucedido, temia as ideias miúdas de Maria. Com o passar do tempo se rende e começa a encantar-se, vê beleza em seus olhos aguados, admira seu sorriso com curvas no canto da boca, Maria era a única pessoa que ele divertia-se em escutar. Se descobria feliz com ela. E então, certo dia, a convence de ir até sua casa. Maria tinha as pernas bambas, mas transbordava felicidade, pela primeira vez, seria amada. Levou-a ao quarto, deitou-a na cama e matou todos os seus desejos acumulados, enquanto ao pé do ouvido, arriscava um "eu te amo". Ao acabar, pra ele é claro, olhava pro teto, enquanto ela ainda sangrava, de forma elegante e educada olhou firme em seus olhos e pediu que a moça se retirasse. Estava seco.  A presença dela era repugnantemente indiferente. Maria se levantou cambaleando dolorida e envergonhada e saiu de olhos baixos aos soluços. Depois disso, nunca mais tocou uma mulher, queria esquecer seu corpo e distanciar-se da barbárie dos impulsos. O que acontecia na rodoviária dava-lhe tontura.
            Por fim, antes de partir, avista ao fim do corredor da rodoviária, uma ambulante em companhia de seu filho vendendo frutas. O menino entra em um caixote e coloca outro sob a cabeça, em seguida pede ajuda, gritando estar preso dentro de um amendoim, sabe-se lá o que ronda a cabeça das crianças. Dentre as situações mais complexas que vivera e relembrara nada o instigava mais que aquela cena. Porque alguém há de se prender, para em seguida gritar ajuda para sair?
            Ao fundo uma criança chora e ele agradece por nunca ter sido avô. O choro incessante comprime seus nervos. Quer fugir do tumulto daqueles viajantes tontos. Precisa de um banho frio. Quando menino se sentia mais livre, ainda que meio medroso, meio cauteloso, seus receios contrapunham-se com seus impulsos, dispensava o romantismo da vida, gostava apenas de atiçar seus sentidos. Amava água, mas odiava a hierarquia do chuveiro, que só à trazia de cima. Só em meio a ela, se sentia ser parte dela também. Pulava da pedra mais alta pra sentir seu coração bater forte e, ao afundar nas águas do mar, com o corpo adormecido, se sentia como um respiro. Boiava sereno enquanto esvaziava a mente olhando o infinito azul.
            Resolve correr até o táxi, com seu terno indigno do calor do Rio de Janeiro, sai da caixa motorizada, vai até a praia e deixa a mala sob a areia, despe-se como quem é capaz de tocar o invisível e dá vida a cada pedaço do corpo com a provocação da temperatura da água. Quer expandir-se até o nada, assim como faz o horizonte. Tá disposto a viver.
            Ao sair do mar, de corpo falante, pisa na areia e tem um desmaio. Queda livre despropositada. Acorda no hospital, o médico diagnostica câncer. Não vai durar muito. Vai pra casa, senta em sua cadeira acolchoada, escolhe sua melhor pose, pega o maço, acende prepotência e acompanhando as lágrimas empoeiradas que correm seu rosto, uma deliciosa gargalhada. Não compreende nada, apesar de estar tudo muito claro. Mas vai ver, são apenas os raios do pôr do sol batendo em seu rosto. Sem dor, sem amor, com só. Dentre a insignificância e a desumanização, compreende a charada. Está morrendo e feliz, inadmissivelmente feliz enquanto vivo.

Maria Carolina Abreu, 15 Abril de 2014



sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Carta para Maria 1

Eu iria postar hoje o meu primeiro conto longo, que tive a ousadia de enviar para um concurso. No entanto,  hoje é dia de prova. E o que escrevo agora é uma forma explicita de fuga, já que no exato momento eu tentava driblar minha consciência para me concentrar nos estudos. Insegurança e falta de sentido se misturam em um gosto amargo. A verdade é que desde de bem pequena fico arrasada em ser avaliada. Toda minha impotência sendo exposta e comprovada é muito, sempre preferi me guardar dentro de mim. Acabo sempre por ficar acuada enquanto meu corpo vai ficando aos poucos amuado e inerte. Enquanto isso, minha cabeça me condena por profundo egoísmo, que não entende como coisas tão simples podem ser tão destrutivas. Nesse enrendo, minha grande sorte, com esse problema que se repete ao longo de minha vida, é ter junto de mim uma mãe tão sensível, que tenta me convencer cotidianamente que sou um ser de luz...talvez um dia ela perceba que a única forma de eu ser "tão iluminada" é com a mãe sol próxima a mim. Deixo com vocês aqui minha possibilidade de ânimo pra prova e também a mais bela materialização do amor:



Carta para Maria 1

Maria é dessas meninas, desleixada por natureza não se importa com a aparência porque sua estética e tão travestida de ética que ela simplesmente vive sua vida sem escovas, calçados adequados para ocasiões e sem sutiã. Ela escreve por prazer, sem regras e segredinhos literários. Curte o corpo sem idolatrias, somente porque o circo a anima. Ela não estuda, ora porque já sabe ora porque não quer aprender certas coisas. Mergulhada na rotina de viver, ignora as horas de acordar, dormir, trabalhar. Apesar de pontual escolhe as segundas para re-começar ou adiar seus compromissos. Um alheamento lhe percorre as entranhas e ela duvida de tudo e de todos. Não sabe para onde ir mas sabe que não quer voltar. Reconhece suas qualidades mas nega fazer qualquer coisa que lhe pareça receber aprovação. Não tem medo da solidão mas não corre o risco de experimentá-la, ao menos, até o envelhecer. Medo ela tem sim: dos humanos. Diante de perversões, individualismos e burocracias ela se torna uma fera e se recolhe em ostracismo. Contra si mesma ela investe o codinome que lhe ofereceram e, sem perceber, sua recusa se torna aceitação. Querem isolá-la, destruí-la e sem forças torna-se cada vez mais alheia, abandona os estudos, as horas e, quase a si mesma, banaliza seus escritos. Sem perceber vai perdendo seu brilho, sua massa, sua tribo... Do lado de fora uma Humanidade a aguarda retornar pois sabem que ela é da luta, da vida, é MariadoColetivo, dessas meninas, que pode voar mesmo sendo humanamente rara!

te almo!


Carolina De Cássia, 20 de Agosto de 2014


quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Liberdade opressiva


"Tradição e traição são duas palavras de escrita e fonética tão semelhantes em nossa língua quanto o são interligadas em seu significado mais profundo. Não há traição sem tradição. Assim como não há tradição sem traição" 
(A alma Imoral de Nilton Bonder) 





Infelizmente ao crescer, somos gradualmente engolidos pelos hábitos e consequentemente vamos empobrecendo nosso espírito questionador, como se tudo fosse dado, nada pudesse ser transcendido, rompido, transformado. A peça "A alma imoral" e meu texto falam um pouco sobre isso, sobre a possibilidade de reflexão, ruptura e re-perspectiva sobre a traição. Fala da possibilidade de construção da liberdade a partir de cada sujeito que se propõe a olhar para si e se repensar. 

Liberdade opressiva
  
Porque é, a traição imperdoável? Traição não meche com amor. Meche com o seu poder sobre o outro. Traição meche com ego. Se perdoa, não tem amor próprio. Faz o clássico papel de idiota. Idiota pra quem? O sofrimento pelo parecer, talvez seja o preço pelo mundo das perfeições. Eu, que sou idiota ao acordar aos tropeços e que saio a sorrir pelas ruas com a calça ao contrário, já não mais me incomodo com a traição. Porque não, o questionamento com as traições diárias? Com a falta de sensibilidade, de escuta, de compreensão, de carinho, de comunicação. Traição? Suprir desejos do corpo? É dessa traição que estamos falando? Que patético. Eu, que já sou idiota cotidianamente e ando sempre de chinelo, vou na contra corrente, destruo a ideia de traição, pois a torno publica. Assim, meu papel de idiota se torna banal. Nesse meio tempo, existe uma necessidade de classificação, por isso, me torno imoral, ou, me tornam imoral, o que confesso, pra mim não faz diferença alguma, a imoralidade é sempre uma grande diversão a se lambuzar. Sem rodeios, sem hipocrisia. Muitos cornos são muito bem amados e desejados e enciumados por seus companheiros. Inúmeras relações de traição são sustentadas, até que as tornem públicas. A sociedade do espetáculo te molda, te julga, te seleciona, te direciona e ao fim, te humilha. A aprovação é o que há de mais perverso. E Não. Não estou defendendo o amor em grupo ou o amor livre. De gente que vive de luz, paz e harmonia, se amando. Nem sustento o discurso de que com o câmbio da sociedade, as pessoas vão se amar livremente, como dizem. Essas ideias me sufocam. Eu defendo o amor, do jeito de cada um, com seus dilemas e acordos, sem interferências morais. Eu quero o nu sim, mas em meio à nudez, eu quero estar coberta, completamente coberta, cada centímetro do meu corpo. Eu quero a legalização, eu quero plantar, mas em roda grande, eu passo a bola. Eu quero estar com dez pessoas, ou apenas com uma. Me incomoda o repetir no lugar do criar, a unanimidade. O controle e a avaliação, também me incomodam. Incômodos físicos aparecem quando se trata de bons modos e boas maneiras. Extremamente incomodante essa ideia de filosofias prontas a serem seguidas. Convivo, cotidianamente com uma terrível incomodação com a verticalidade, a imposição, a burocracia e a explicação. Me deixa exausta, tudo que não roda, não pensa, não troca, tudo que não é ciclo, que não é escolha. A liberdade pronta, que define se você bate ou não as asas, te engole, te atropela, te oprime! No mais, desculpem o incomodo e passar bem, digo isso, porque, mesmo amando muitas pessoas, na verdade não tenho vontade nenhuma de abraçá-los na despedida.

Maria Carolina, 10 de Novembro de 2013

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Pés para que te quero

Acabo de assistir "O homem das multidões" e sua doçura e delicadeza contraditoriamente massacram qualquer tentativa de linearidade, previsibilidade e aceleração do tempo e da vida. Escrevo isso, porque além de ter saído alucinada do cinema, acredito cada vez mais que a profundidade se encontra no que nos é simples, nos silêncios, nos detalhes das luzes, na imperceptível solidão cotidiana. 
Este conto que resgato para dividir com vocês, foi o meu segundo (se minha memória for séria comigo) e tem um ar assim, como no filme, bem simples, quase tolo, de uma tolice tão extrema que ao relê-lo, deu nó nos meus devaneios. Boa leitura, boas reflexões!!!

                            Pés para que te quero


Calor de muitos graus, o menino caminha turvo em uma direção. Não gosta de chegadas. Mas nesse caso, está apenas indo para o ponto. Tem pressa de chegar à rodoviária. Acende um cigarro, enquanto olha as ondas que se formam pelo calor. Ele acha graça ver ondas, sem sequer ter tomado um copo de cachaça para começar o dia. Bochechas rosadas, suor escorrendo e uma leve dor no ombro causada pela mochila pesada.
Ao seu lado, uma mulher, negra, gordinha, baixinha, duas sacolas nas mãos, cada mão segurando a mão de uma criança. As crianças estão descalças. Sapateiam, choramingam. A mãe, com um leve grito, diz para os dois pararem de reclamar, pois tem sapatos em casa, deveriam ter saído com eles. É difícil entender que previsibilidade e planejamento existem apenas em cabeças moldadamente adultas.
As crianças correm até o outro lado da calçada e sentem um grande alívio pela sombra, que ironicamente em outra ocasião, passaria imperceptível para elas. Talvez, o bom, varie com as circunstâncias. As crianças sabem e vivem isso de uma forma inteligente.
Nesse momento, em questão de segundos o jovem projeta um futuro distante, prevê o péssimo pai que seria. Se fosse com ele, teria colocado cada uma em um ombro. A cena serve para ele se auto enxergar, pois a única coisa que passava em sua cabeça, eram seus pés de pele fina.
Típico jovem, classe média, pés delicados, inconsequente, impaciente e com dúvidas de sobra. Quer dar uma educação aos futuros filhos, que idealiza, mas não suporta. O que ele mesmo poderia ser, mas não é. Quer liberdade, sem sair da bolha, sem ter bolha nos pés.
Chegando na calçada, do outro lado da rua, senta na mureta de uma loja hiper granfina. Sorri pro céu, quando sente uma leve brisa e fica ali parado. Na verdade, mais ou menos parado, pois não se livra da angustia do tédio. Olha para aquela loja chique, cheia de decorações que só servem pra suprir necessidades psíquicas-estéticas e sente uma enorme vontade de dar um empurrãozinho naquela porta, sabendo que esse gesto lhe proporcionaria um leve segundo de prazer. Se contem, não quer confusão. Prefere e opta por devanear sobre a função das separações, como vidros e muros, pensa debochadamente só para ter o prazer de rir, e conclui que certamente, deve ser para poeira não passar.
Passa quarenta minutos e o ônibus não chega, ainda vai demorar. Terra de coronel, a cidade funciona como quer. Tem acordos, igrejas e o ar cheira a conservadorismo. Não suportam diferença, nem heresia e a cima de tudo, nada de mulambagem.
Dentro da loja, com ar condicionado, uma Senhora. Tem nariz fino e arrebitado, causando sérias dúvidas se ela de fato, consegue respirar. Para reafirmar a indagação, acompanhando seu membro olfativo, tem uma saia que parece esmagar sua cintura, agregando mais ainda a sensação de sufoco. Em cima, blusa branca, decote para o charme, botões que não cumprem função alguma. E o pedacinho mais importante do corpo, está revestido de absurdo, o pé.
O pé, que faz o menino repensar suas fragilidades, que faz com que as crianças brinquem de desafiar a si mesmas, que faz com que a mãe, ao dar três toques no chão, se faça entender.
Esse mesmo pé, perde sentido na chefa. Ela calça sapato preto pontudo e de agulha, que não serve para as calçadas esburacadas do local que vive. Mas, só pela forma de seu vestir, nexo não é lá o seu forte.
De repente, ela se levanta com uma cara de fúria prepotente, carregando consigo um andar cômico, pelo longo corredor. Dirigindo-se de maneira feroz ao desleixado, como quem tem como ofício pela manhã, jogar sal nos caramujos que embaçam a vitrine, abre a porta e diz: Garoto, você não pode ficar aí não.
O garoto sabe, que o que ele escuta, é impossível que seja ilusão de ótica proveniente do calor. Responde: - Ah então faz o seguinte, chama a policia.
A mulher dá meia volta, preserva os bons modos e sem perder a pomposidade se dirige ao telefone.
...É, a filha da puta foi ligar mesmo.
O menino fica um pouco tremulo, mas perder seu orgulho e sua rebeldia é algo inadmissível. Permanece ico e sentado.
A policia se aproxima. O menino segura o riso, aquela luzinha que roda em cima da viatura, sem barulho, é claro, o faz rir e lembrar-se de sua infância. Pra ele, o carro se assemelha aos seus brinquedos, infantis e irreais. Se controla. Aguarda o policial abrir a porta e se retirar do veiculo.
Menino: - Bom dia.
Policial:- O que tá acontecendo aqui?
Menino: - Sabe seu policial. Pedi para aquela fina Senhorita, que se encontra ao fundo deste estabelecimento para ligar para vocês. Estou há quase uma hora neste sol, sem que um mísero ônibus passe. Tenho indisposição, fraqueza, fadiga, a cabeça dói, o estomago tá embrulhado. Tenho enjoo e tonteira, suo quente. Pode ver? Mas se precisar suo frio também. Vai ver é desidratação.
Observe só, como meu caso é grave, vossa autoridade. Fora o grande risco de insolação, possibilidades de desmaio a qualquer momento, de quebra, ainda padeço do pior dos males: profundo cansaço. 
E o Senhor, meu amigo, não acreditará na maior, aquela distinta dama, me nega um pedacinho deste granito. Olha o estrago que a tal me causara. Quero dar queixa. Isso mesmo. Tenho muitas. Anota aí. Queixa um, por negligencia; dois, agressão física indireta; e três: pela tremenda falta de compostura. Onde já se viu tal comportamento? Fora sua apatia ou talvez mais grave, compactuação com um transporte público que passa em frente sua propriedade e demora esse tempo todo, fazendo com que as pessoas precisem ficar escoradas em sua intocável construção. É, seu guarda, você terá muito trabalho pela frente.
Neste momento, a dona da loja, já havia saído de lá, tendo podido apenas apreciar o finzinho do discurso do garoto. Aparentava estar meio imóvel, meio atordoada, parte, por sua grande dificuldade de assimilação. O policial, por sua vez, levantava as sobrancelhas e franzia a testa, seus olhos não pareciam muito felizes.
Ele começava a mexer seus braços e inclinar o corpo para o lado do adolescente. Enquanto a dona, prestes a perder toda sua classe, moralidade e reputação, separava os lábios, começava abrir a boca e movia as mãos, como se quisesse esmagar algo, ou talvez o pescoço de alguém. Os dois pareciam começar a fazer movimentos bruscos de insatisfação.
O menino se abaixa, e corre em direção ao ônibus que acabara de chegar.




Maria Carolina Abreu, 4 de Janeiro de 2014














segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Por acaso isso são modos, menina?

Por ter textos antigos que gostaria de compartilhar com os "espectadores-escritores"*  penso em intercalar com os novos, assim podemos construir e re-construir minhas reflexões, se possível de forma coletiva, que jamais serão como a leitura anterior ou posterior, o que torna o resgate sempre rico. Como o "homem que atravessa o rio".

*"Veio a aristocracia e estabeleceu divisões: algumas pessoas iriam ao palco e só elas poderiam representar enquanto que todas as outras permaneceriam sentadas, receptivas, passivas: estes seriam os espectadores, a massa, o povo. (...) Primeiro se destrói a barreira entre atores e espectadores: todos devem representar, todos devem protagonizar as necessárias transformações da sociedade". (Augusto Boal) 

Este pequeno texto pode ser encarado como a continuação de minha apresentação...E ao pensar em postá-lo, me atravessou inconscientemente pela cabeça, um filme que chama: "Sem teto, sem lei". Não tenho nenhuma explicação lógica para tal fato, talvez vocês a encontrem, mas de qualquer forma: bom filme!!!


Por acaso isso são modos, menina?

Me privam do sujo, do cheiro, do pelo, de tudo que não é aparentemente belo. Controlam o volume da minha voz e as minhas pernas abertas. Me fazem ser inferior através da hierarquia, ter vergonha do desconhecimento, ser ridícula nas dúvidas. Silêncio sem escuta, silêncio obediente. Cortam minhas asas, transformam a moral em regra e o desvio em constrangimento. Repressão e auto punição são as únicas formas de se lidar com os desejos. Censuram meus sentidos, minhas caras, querem apagar minhas expressões, afinal, ser sincero é feio. Cabelos comportados e unhas limpas, sempre. O que há de diferente é zombado, excluído, rechaçado. Me tiram o direito de raiva, de angústia, me cobram sorrisos falaciosos, com dentes preferivelmente brancos, sem defeitos, sem feijão, sem humano.

Maria Carolina Abreu, 30 de outubro de 2013







Respeitável público...

Ainda não sei mexer bem no blog, por isso deixo registrado aqui quem sou eu e porque crio este blog.

Sou uma jovem de vinte anos de alma "antiga". Escritora fracassada e ser humano profundamente lento e, portanto inútil a civilização por minha improdutividade. Uma tentativa de escritora desde pequenina, talvez por um olhar distante ou pela cabeça perdida em algum mundo inventivo.  Sem mais o brilho das crianças, conhecendo o mundo real, escrevo  por fuga e pra curar as angústias cotidianas. A verdade é que tinha o sonho de viver de amor, mas hoje temo que seja ambição demasiada egoísta. Defensora de uma educação libertária, tenho conflitos constantes com nossa sociedade, que só me permite trabalhar pouco com a mediocridade de um diploma na mão.  Militante i-centralizável feita de cabeça contraditória, cambaleio entre a esperança empírica e um agudo fatalismo. Acredito na organização e na horizontalidade, mas tenho dúvidas constantes sobre a verdade. Minha escrita (onde vocês me encontrarão mais do que em qualquer discrição) é mais feita de reflexão de que de histórias, o que torna razoável o tédio alheio. Aqui busco algo simples, busco ar, busco troca, busco gente, daquelas que como eu, se encaixam perfeitamente no "poema em linha reta" do Pessoa.